Novo Banco, a auditoria pariu um rato
Alguém nos quer impingir a ideia de que prejuízos loucos, vendas ao desbarato ou financiamentos questionáveis a entidades sem rosto fazem parte da vida de uma economia justa de um país racional.
Já se suspeitava e o que se sabe (ainda pouco) da auditoria que a consultora Deloitte fez às contas do Novo Banco entre 2000 e o final de 2018 confirma as suspeitas: no Novo Banco não aconteceu nada. A culpa está no passado e, como se sabe, o passado prescreveu. As perdas superam os quatro mil milhões de euros, mas as suas causas estão numa estratégia de inflacionar o valor dos activos do banco num tempo que já é História.
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Já se suspeitava e o que se sabe (ainda pouco) da auditoria que a consultora Deloitte fez às contas do Novo Banco entre 2000 e o final de 2018 confirma as suspeitas: no Novo Banco não aconteceu nada. A culpa está no passado e, como se sabe, o passado prescreveu. As perdas superam os quatro mil milhões de euros, mas as suas causas estão numa estratégia de inflacionar o valor dos activos do banco num tempo que já é História.
Para que serve então a auditoria, que, pela sua natureza, avalia apenas a conformidade dos actos de gestão praticados? Serve para a lamúria, o ajuste de contas e a legitimação da irracionalidade. Serve para o PS e o Governo se ilibarem de responsabilidades, remetendo-as para o cansado saco de boxe em que se transformou Passos Coelho ou para o ex-governador do Banco de Portugal. Serve para a administração de António Ramalho afirmar a forma “transparente e competitiva” como o NB tem vindo a “recuperar o balanço”.
Está assim prestes a ser erigido mais um monumento ao capitalismo português nascido a coberto do Estado. Um capitalismo em que há sempre uma alínea de uma lei a cobrir erros, uma auditoria a contextualizar falhas, um procedimento obtido nos compêndios das melhores práticas internacionais para encaixar prejuízos, uma decisão do adversário político a servir de expiação ou um aval de um ex-governador a sacralizar os pecados. A cultura permissiva, regrada pela falta de exigência e pela resignação, em todo o seu esplendor.
Mais inaceitável do que a gestão de António Ramalho, que faz com competência o que essa cultura autoriza e legitima, é essa névoa com que se tenta tapar os esqueletos de um processo danoso. Haver quem queira fazer acreditar que é normal haver perdas de quatro mil milhões cobertas em grande parte por um empréstimo ao Fundo de Resolução do qual somos fiadores, ou vendas de património 70% abaixo do valor de registo financiadas pelo vendedor a fundos desconhecidos, não é normal. Pode ser legal, normal não.
Ainda não sabemos tudo da auditoria. Vamos ter de estudar detalhes, métodos, conclusões, falhas e dúvidas. O escrutínio da Justiça lá chegará para enrolar tudo mais uma década. Mas, sabendo o que sabemos, não podemos deixar de notar o óbvio ululante desta história: alguém nos quer impingir a ideia de que prejuízos loucos, vendas ao desbarato ou financiamentos questionáveis a entidades sem rosto fazem parte da vida de uma economia justa de um país racional. O futuro do mercado, da concorrência limpa, do Novo Banco, dos seus trabalhadores e dos seus clientes é demasiado importante para ser construído com contos de fadas.