Os ex-reclusos têm de poder voar!
Ter 16 ex-reclusos que não conseguem suportar os dias de liberdade, preferindo regressar à vida intramuros, é algo que abala os fins das penas e todo um sistema prisional.
Com a lei n.º 9/2020, de 10 de abril, permitiu-se um perdão parcial de penas até dois anos, um regime especial de indulto, saídas administrativas extraordinárias de reclusos e antecipação excecional da liberdade condicional. Esta lei entrou em vigor no passado mês de abril.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Com a lei n.º 9/2020, de 10 de abril, permitiu-se um perdão parcial de penas até dois anos, um regime especial de indulto, saídas administrativas extraordinárias de reclusos e antecipação excecional da liberdade condicional. Esta lei entrou em vigor no passado mês de abril.
Nestes dias veio a notícia que dos 2031 reclusos que foram libertados na sequência da pandemia, apenas 24 voltaram a cometer crimes. Uma taxa de reincidência tão baixa é uma excelente noticia para o sistema prisional português.
O retorno à prisão aconteceu essencialmente devido a crimes de furto, roubos e ainda crimes rodoviários, sendo que tais crimes cometidos, foram essencialmente os mesmos crimes que na origem tinham levado aquelas pessoas para a prisão.
Por outro lado, foi também veiculado que apenas 59 incumpriram as obrigações que estavam impostas o que também é uma boa notícia.
Contudo, no meio destas boas notícias, entre os pingos da chuva, aparece um dado que nos preocupa muito mais. 16 reclusos a quem tinha sido atribuído uma licença de saída, quiseram voltar para o estabelecimento prisional. É verdade que são apenas 16 reclusos, mas tal situação é insustentável para um sistema prisional.
Como é sabido, a pena aplicada tem, entre outras funções, a virtualidade de reintegrar o cidadão na sociedade. O tempo de prisão deve, além do mais, habilitar o recluso de ferramentas suficientes para que no final da sua pena possa ser reintegrado na sociedade de forma plena. Ora, ter 16 ex-reclusos que não conseguem suportar os dias de liberdade, preferindo regressar à vida intramuros, é algo que abala os fins das penas e todo um sistema prisional. Não podemos ter inadaptados findo o tempo de reclusão. Não podemos permitir, enquanto sociedade, que alguém que cumpriu a sua pena não suporte o peso da liberdade.
Toda a vida dentro do sistema prisional deve ser levada com o fito de habilitar aquele cidadão a voltar a ter uma vida integrado na sociedade quando o seu tempo de liberdade voltar. Cumprir pena não pode ser apenas um castigo, tem de ser muito mais…
Esta situação destes 16 cidadãos que não suportaram a liberdade, coloca a nu as debilidades de um sistema que não dá o devido apoio aqueles que acabam de sair do sistema prisional. Estas pessoas não podem ser apenas libertadas. A liberdade, não é apenas a liberdade ambulatória, é muito mais que isso. Ter liberdade é poder ter um emprego, ter cuidados de saúde (especialmente saúde mental), ter o apoio de técnicos especializados que permitam uma verdadeira reintegração destas pessoas na sociedade.
Não temos dados comparativos para poder ter esta afirmação, mas podemos comparar com outros países: um Estado que dá um verdadeiro apoio aos ex-reclusos é um Estado que tem menos criminalidade e, com toda a segurança, menos reincidência.
Imaginem um pássaro, jovem e saudável que teve o infortúnio de ser apanhado por uma pessoa e colocado numa gaiola. Ao fim de algum tempo, esse pássaro teve uma lesão numa asa. A pessoa que o colocou na jaula, sentindo pena do pássaro, coloca-o em liberdade. O pássaro, já não está atrás das grades, contudo, não consegue voar. Os ex-reclusos têm de poder voar!