Howard’s Folly: há uma folia em Estremoz, com vinho, arte e gastronomia
Na adega urbana no Alentejo onde nascem os vinhos Sonhador, abriu um bar, restaurante e galeria de arte. Tudo por obra do empresário de Hong Kong Howard Bilton, parceiro do enólogo David Baverstock.
O edifício branco que parece um pequeno castelo, junto ao que em tempos era o fim da linha do comboio que vinha de Lisboa até Estremoz, tem hoje bem visíveis na fachada as letras HF. As letras indicam que chegámos à “folia de Howard” – a Howard’s Folly – e que nos espera um mundo onde o vinho se cruza com a arte, há porcos pintados no meio de ânforas antigas e o que mais se possa esperar que saia da cabeça do britânico Howard Bilton.
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O edifício branco que parece um pequeno castelo, junto ao que em tempos era o fim da linha do comboio que vinha de Lisboa até Estremoz, tem hoje bem visíveis na fachada as letras HF. As letras indicam que chegámos à “folia de Howard” – a Howard’s Folly – e que nos espera um mundo onde o vinho se cruza com a arte, há porcos pintados no meio de ânforas antigas e o que mais se possa esperar que saia da cabeça do britânico Howard Bilton.
E quem é o homem cuja “folia” passa por querer fazer vinho em Portugal – tarefa que confiou ao enólogo David Baverstock (da Herdade do Esporão)? Bilton é o fundador do The Sovereign Group, consultora privada com base em Hong Kong, e que, para além de aconselhar empresas na área da finança, tem ligações ao mundo da arte, através da The Sovereign Art Foundation, que é também um projecto social, de apoio a crianças com poucos recursos.
Daí os porcos artísticos da pig parade pensada para o Ano do Porco (2019) que, cobertos de mensagens mais ou menos filosóficas, podem ser comprados. Ou a inusitada combinação, à entrada da adega, entre a obra The Last Judgement in Cyberspace – The Below View, de Miao Xiaochun, e as ânforas usadas tradicionalmente no Alentejo para fazer vinho desde o tempo dos romanos (um dos projectos em preparação é um vinho da talha). Uma mistura de universos que nos prepara para, no interior da adega, a parede inteiramente coberta por um grafitti feito pelo artista português Le Funky.
Mas o que atraiu Harold Bilton a Portugal não teve nada a ver com porcos – nem sequer com o porco alentejano. O que o fascinou foram os vinhos e, mais tarde, a ideia de ter uma adega própria (o que acontece desde 2018), que é agora também um espaço para receber visitantes, com um bar, um restaurante (que tinha aberto mesmo antes do início do confinamento e reabriu em Junho) e uma galeria, que inaugurou este Verão.
As vinhas não estão aqui, ficam a 40 minutos de carro, em Portalegre, mais precisamente na serra de São Mamede – são sete hectares próprios aos quais se juntam as uvas compradas a outros produtores, em vinhas situadas a altitudes entre os 500 e os 600 metros, sempre em busca da frescura da serra. E algumas ficam bem mais longe, na região dos Vinhos Verdes, em Monção e Melgaço, de onde vêm as uvas com as quais David e Pedro Furriel, o enólogo residente que recebe a Fugas no dia da nossa visita a Estremoz, fazem o Alvarinho.
No Alentejo, a equipa trabalha sobretudo com Touriga Nacional, Syrah, Aragonez, Alicante Bouchet e Trincadeira e os vinhos são apresentados sob a marca-chapéu Sonhador, com rótulos sempre desenhados por crianças ou por artistas – nos lançamentos de 2019 o resultado foram as nuvens coloridas criadas pelo casal Rob e Nick Carter, sendo que a Touriga Nacional tem a marca distintiva do artista irlandês Michael Craig-Martin, com os seus saca-rolhas pop sobre fundos negros.
Quem mais recentemente se juntou à loucura portuguesa de Howard foi o chef Hugo Bernardo. O Howard’s Folly andava à procura de um cozinheiro que se identificasse com o projecto, e, um dia, Hugo entra pela porta e diz que está disponível e interessado. Depois de muitos anos a trabalhar em hotéis (nomeadamente na parte da gestão), sentia-se cansado e decidiu, com a família, instalar-se no Alentejo. Encontrou aqui um espaço para fazer uma cozinha que é ao mesmo tempo de conforto e criativa, descontraída, sem complicações, e pensada para valorizar os vinhos da casa.
“O projecto parecia feito à minha medida”, diz. Quem visitar a adega ou a galeria pode, durante todo o dia, comer no restaurante – por exemplo, uma tosta de bacalhau fresco sobre puré de grão, um ceviche com leite de coco, o estaladiço camarão em massa kataifi, um gaspacho (ideal para o novo Sonhador rosé 2019, um blend de Aragonês e Castelão), um peito de pato com puré de beterraba ou as especialidades feitas por quem melhor as sabe fazer que são os enchidos do fumeiro da Dona Otávia, do Cano, incluindo a imperdível cabeça de xara. Nas sobremesas, há um gelado de leite de cabra com abóbora, ou um crumble feito sempre com a fruta da estação.
No braço, para além da tatuagem de uma abelha trabalhadora, Hugo, que ouve heavy metal todos os dias de manhã na cozinha para se concentrar no trabalho de preparação, tem uma outra inscrição: “Madness to Perfection”. Prova de que, no meio da loucura de Howard, entre arte e vinhos, parece ter vindo dar ao lugar certo.