Começa hoje a Volta a França mais extravagante da história
A pandemia atrasou e enevoou a organização do maior certame de ciclismo do mundo. Com regras inéditas, um percurso incomum e com muita incerteza entre os favoritos à vitória, a Volta a França 2020 promete ser extravagante. E vai ficar na história.
Sem público nas subidas, com equipas a poderem ser excluídas da competição com relativa facilidade e sem a pompa habitual nas chegadas em alto e nas cerimónias protocolares. Nada será como habitualmente, na Volta a França 2020, competição que vai para a estrada neste sábado e termina a 20 de Setembro. A pandemia está longe de estar controlada, em França, mas, para a organização da prova e para o governo gaulês, “the show must go on”. Mas com regras.
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Sem público nas subidas, com equipas a poderem ser excluídas da competição com relativa facilidade e sem a pompa habitual nas chegadas em alto e nas cerimónias protocolares. Nada será como habitualmente, na Volta a França 2020, competição que vai para a estrada neste sábado e termina a 20 de Setembro. A pandemia está longe de estar controlada, em França, mas, para a organização da prova e para o governo gaulês, “the show must go on”. Mas com regras.
A mais proeminente é que a equipa que tiver dois casos de covid-19 será excluída da competição. Não propriamente como “castigo” por terem sido infectados, mas sobretudo como prevenção e controlo do contágio para o restante pelotão.
Dois casos positivos em oito ciclistas de uma equipa não é particularmente difícil de acontecer, pelo que termos formações inteiras a serem excluídas de um dia para o outro não é utópico. E pode mexer com a classificação geral, caso haja exclusão das equipas com candidatos à vitória. E também por isto esta edição da Volta a França é extravagante.
As previsões são difíceis por estas regras incomuns, mas também pelo próprio momento de forma dos ciclistas. Com a paragem na competição, devido à pandemia, a preparação foi interrompida, os picos de forma foram alterados e o nível dos ciclistas é, em muitos casos, uma incógnita.
Voltando às regras, a organização da prova definiu que o acesso às subidas será vedado ao público, por forma a evitar aglomerados quer na zona das metas quer na estrada, sobretudo nas montanhas. Perde-se no ambiente, ganha-se na saúde.
E a falta de público nas etapas de montanha é um ponto importante, porque montanhas não vão faltar. A edição 2020 do Tour é particularmente montanhosa – há cinco finais em alto e apenas a 10.ª das 21 etapas é totalmente plana –, algo que agradará aos intentos dos trepadores clássicos, habitualmente com dificuldades no contra-relógio. E destinado a “crono” haverá apenas um dia – e mesmo esse terá… uma crono-escalada. E será nesta penúltima etapa que haverá vencedor oficioso, antes da habitual etapa de consagração nos Champs-Elysées.
A organização da prova parece apostada em quebrar o domínio da INEOS – que venceu sete das últimas oito edições do Tour –, tendo desenhado etapas “atacáveis” em toda a linha, procurando anular a sensação de controlo permanente da corrida a que a equipa britânica nos tem habituado. Mais: as subidas ao Alpe d’Huez e Mont Ventoux foram excluídas em prol de várias subidas menores, que obrigarão os favoritos a um constante estado de alerta durante as etapas.
Um único falante de português
Mas os contornos estranhos desta competição não ficam por aqui. Depois de uma edição de 2019 com os portugueses José Gonçalves, Rui Costa e Nélson Oliveira no pelotão, a versão 2020 do Tour terá apenas o corredor da Movistar.
“Sozinho”, sem mais ninguém a falar português, Nélson Oliveira estará, novamente, como gregário dos líderes Alejandro Valverde e Enric Mas na equipa espanhola. Mas poderá haver um plot twist no Tour do ciclista de Anadia.
Os 40 anos de Valverde permitem prever pouca capacidade para lutar pela classificação geral e o jovem Enric Mas não pareceu estar em grande forma nas últimas semanas. E se se confirmar a incapacidade dos dois líderes da Movistar, então a equipa de Eusebio Unzué poderá entrar em modo “caça etapas” – e Nélson Oliveira terá, nesse cenário, mais liberdade do que costuma ter.
O próprio português, a entrar para o quinto Tour da carreira, assumiu-o. “Não tenho objectivos, o meu objectivo principal é ajudar a equipa. Mas se me derem uma oportunidade de ir para uma fuga e se tiver a oportunidade de ganhar uma etapa, ganho-a com todo o gosto”, confessou à Lusa.
Histórias a seguir
INEOS vs. Jumbo
Há algumas semanas, o mundo do ciclismo preparava-se para um duelo gigantesco entre as duas equipas: Bernal, Froome e Geraint Thomas de um lado, Roglic, Dumoulin e Kruijswijk do outro.
Opções técnicas e lesões tiraram Froome, Thomas e Kruijswijk do Tour, pelo que o duelo passou a ser Bernal contra o duo de sonho da Jumbo-Visma. E Dumoulin já fez questão de dizer que, caso os dois Jumbo estejam perto do pódio na última semana, aí será cada um por si.
E apesar de ter Carapaz e Sivakov como ajudantes, Egan Bernal tem, em 2020, o desafio hercúleo de contrariar o all-in da equipa holandesa. E nunca, nos últimos anos, o fim do domínio da INEOS pareceu ser tão possível.
Trepadores satisfeitos
O perfil deste Tour, com muita montanha e pouco contra-relógio, permite a muitos corredores “esfregarem as mãos” de contentamento, tendo a oportunidade de uma vida de fazerem um brilharete na principal prova de ciclismo do mundo.
Miguel Ángel López, Mikel Landa, Nairo Quintana e Thibaut Pinot são, por motivos diferentes, nomes que surgem numa segunda linha de favoritismo. E qualquer um deles poderá fazer uma surpresa, dado o perfil da corrida.
Se a estes acrescentarmos os nomes de Buchmann, Bardet e, sobretudo, do jovem Pogacar, então teremos aqui o provável lote de candidatos ao pódio.
França à caça
Thibaut Pinot teima em não conseguir o tão almejado triunfo no Tour, umas vezes por fraqueza mental, outras por incapacidade física, outras ainda por lesões. Romain Bardet não tem feito melhor, vacilando quando não pode fazê-lo. Julien Alaphillipe tem, depois de surpreender em 2019, um percurso muito mais espinhoso para ultrapassar, com o excesso de montanha.
Desde 1985 que um francês não vence a prova gaulesa e, com este cenário, não parece ser em 2020 o fim deste jejum. Se nenhum destes nomes mostrar credenciais, restará aos franceses rezar pela vitória de Quintana, dando o triunfo à equipa francesa Arkéa. Mas isso tem tanto de improvável como de insuficiente para a avidez francesa pelo triunfo de um homem da casa.
Fim para Sagan?
Em sete das últimas oito edições da prova, a camisola verde foi arrebatada por Peter Sagan. Capaz de pontuar nas chegadas ao sprint e versátil para somar pontos em etapas de média montanha, o eslovaco tem dominado esta classificação. Mas isso pode mudar.
Por um lado, Sagan parece menos dominador do que foi nos últimos anos e, por outro, há mais e melhores rivais. Além do sprinter Caleb Ewan, o prodígio Wout van Aert será o principal opositor a Sagan e, apesar de ter de ajudar Roglic e Dumoulin, o ciclista belga terá liberdade para somar pontos nas etapas e, sobretudo, tentar somar vitórias. Para 2020, Sagan que se cuide.