No IndieLisboa, o futuro (de Cartagena) que não foi brilhante
O espanhol Luis López Carrasco apresenta na competição do festival El año del descubrimiento, documentário híbrido sobre as crises económicas vistas pela classe operária, entre Peter Watkins e Frederick Wiseman.
Flashback a 1992: o ano em que Espanha recebeu os Jogos Olímpicos em Barcelona e a Exposição Universal em Sevilha. Enquanto se projectava uma imagem de “futuro radioso” para uma Espanha europeia e moderna, a privatização das instalações metalúrgicas e navais que sustentavam a cidade de Cartagena criava desemprego em massa e precariedade. Os protestos organizados pelas centrais sindicais junto do parlamento regional esbarraram numa presença policial desproporcionada e em confrontos que levaram ao incêndio do edifício da Assembleia.
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Flashback a 1992: o ano em que Espanha recebeu os Jogos Olímpicos em Barcelona e a Exposição Universal em Sevilha. Enquanto se projectava uma imagem de “futuro radioso” para uma Espanha europeia e moderna, a privatização das instalações metalúrgicas e navais que sustentavam a cidade de Cartagena criava desemprego em massa e precariedade. Os protestos organizados pelas centrais sindicais junto do parlamento regional esbarraram numa presença policial desproporcionada e em confrontos que levaram ao incêndio do edifício da Assembleia.
“Quase ninguém em Espanha se lembrava de que isto tinha acontecido,” refere o realizador Luis López Carrasco (Múrcia, 1981), “e isso era mais uma razão para eu querer fazer este filme. Porque eu lembrava-me”.
Não era a única razão, explica o cineasta num dos foyers da Culturgest, em Lisboa, onde está para apresentar El año del descubrimiento à Competição Internacional do IndieLisboa (sexta 28, 19h). A outra? “Havia uma ideia fundamental, que era ligar duas crises, esta de 1992 e a que teve início em 2010, através da classe social que mais as sofreu [na pele],” diz. “Estava interessado em entender como a origem social e económica, o bairro em que nascemos, determina a nossa vida. Em muitas ocasiões é mesmo praticamente impossível sair dessa classe social, e provavelmente mais difícil hoje do que nos anos 1980…”
El año del descubrimiento fala directamente de questões muito vivas nos dias que correm – e que não mudaram tanto como isso, denuncia o cineasta. “Há uma miúda no filme que conta que trabalhava das cinco da manhã às duas da tarde, e há uma senhora que, no hotel onde trabalhou, era desde se levantar até se ir deitar – experiências muito semelhantes em gerações distintas. O filme olha para os efeitos pessoais, familiares, emocionais e físicos de tais experiências, porque as pessoas envelhecem muito rapidamente. Parecia-me importante sublinhar o facto de estas questões [laborais] serem estruturais, constantes. Estas crises produzem uma enorme violência.”
Para o demonstrar, López Carrasco instala-se num pequeno bar popular de Cartagena e filma as memórias dos sindicalistas que viveram as grandes dificuldades económicas e sociais de 1992, a par de depoimentos de outras pessoas apanhadas pela crise. Mas qual crise? Pensamos, a princípio, que é a de 1992, mas fala-se de euros, tablets, telemóveis… Esta dúvida metódica temporal é central à proposta do realizador: “Originalmente, íamos fazer uma reconstituição, mais parecida com os filmes de Peter Watkins, como The Commune”, diz. “Mas, quando conhecemos os sindicalistas, demo-nos conta de que eram rostos e vozes com quem nunca ninguém tinha falado, e que o carácter de documento, de testemunho pessoal, era importante. Tudo o que eles nos contavam era muito mais relevante do que qualquer coisa que pudéssemos inventar.”
A partir daqui, El año del descubrimiento tornou-se num objecto híbrido, “no ponto intermédio entre Peter Watkins e Frederick Wiseman, com um pouco de Eduardo Coutinho”, como diz López Carrasco, com “actores” que eram, na verdade, filhos, colegas ou familiares de gente envolvida nos eventos de 1992 a debaterem questões sociais e laborais em tempo real. Um “contornar” das regras estritas do documentário que contribui para uma maior fidelidade à verdade que se quer contar, como aliás fica expresso no título de um dos “capítulos” do filme: “Embora não me recorde, sei que o vivi”.
“As decisões formais que tomei neste filme estiveram directamente relacionados com o conceito, o tema e as pessoas que reuni, argumenta Luis López Carrasco. “A rodagem é o momento para criar condições nas quais suceda o imprevisível, o momento que me leve a um local a que a minha imaginação ou a minha inteligência não me levariam.”