Num “ano calmo e sossegado”, o Bons Sons alimenta os laços para voltar em 2021

Organização quis envolver a comunidade no Cem Soldos Habita A Rua, um programa que dispensa as multidões do costume e termina este sábado.

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No Largo do Rossio, uma coluna com música instalada no topo de um muro caiado denuncia que este não é um sábado comum em Cem Soldos. Ainda assim, quem por ali passou em Agostos anteriores não consegue deixar de notar o vazio no lugar dos palcos ou um certo silêncio em vez do bulício. A aldeia de Tomar que, desde 2006, se habituou a planear o festival Bons Sons sente falta das suas multidões, mas a organização não quis deixar este ano em branco, preparando eventos paralelos que se repartem por três fins-de-semana de Agosto.

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No Largo do Rossio, uma coluna com música instalada no topo de um muro caiado denuncia que este não é um sábado comum em Cem Soldos. Ainda assim, quem por ali passou em Agostos anteriores não consegue deixar de notar o vazio no lugar dos palcos ou um certo silêncio em vez do bulício. A aldeia de Tomar que, desde 2006, se habituou a planear o festival Bons Sons sente falta das suas multidões, mas a organização não quis deixar este ano em branco, preparando eventos paralelos que se repartem por três fins-de-semana de Agosto.

A coluna chama a atenção sobre o Quintal das Laranjeiras, localização do mercado de trocas, um dos poucos pontos de uma programação condicionada por um ano pandémico. À porta, sentados, de máscara e rodeados por cartazes que assinalam os cuidados a ter, Margarida e João Mourão vão dando indicações a quem chega e explicando o modelo de funcionamento do mercado. Por altura do Verão, o casal costuma estar na Adega de S. Pedro, uma espécie de bar que abre apenas por conta do Bons Sons e serve tapas aos festivaleiros nos anos em que os há. Este 2020, já se sabe, é diferente. “Está a ser calmo, sossegado, diferente”, introduz Margarida. “Mas temos muita saudade, muita pena. Sentimos falta da agitação, das pessoas que vêm recorrentemente ao festival, desse calor que as pessoas trazem”, explica. Um sentimento que se estende aos filhos do casal: “O Duarte [o mais velho] nasceu em 2009 e não sabe o que é a aldeia sem o Bons Sons. É muito estranho”, descreve João. 

Essa diferença traduz-se em três zeros. Nos últimos anos, o Sport Club Operário de Cem Soldos (SCOCS), que organiza este festival comunitário, limitou as entradas na aldeia a 35 mil pessoas. No sábado em que o PÚBLICO esteve neste Bons Sons paralelo, o único concerto não teve muito mais que 35 pessoas a assistir ao vivo, ainda que a sua transmissão online tenha chegado a milhares.

A opção, explica o director artístico do Bons Sons, Miguel Atalaia, era isto ou nada. Medindo a pulsação aos habitantes da aldeia, sem os quais o festival não se realiza, o SCOCS, notou que “havia muito aquele sentimento de ‘então não se faz nada? O pessoal não se junta nem cria?’”. O pessoal juntou-se e criou o Cem Soldos Habita A Rua, com uma programação que começou a 14 de Agosto e tem neste sábado, dia 29, o seu último acto.

A ideia era “activar algumas dinâmicas comunitárias”, diz Miguel Atalaia, que assume pelo primeiro ano a direcção artística do festival, sucedendo a Luís Ferreira. “Mais que não seja para as pessoas sentirem este burburinho que é ver o movimento, haver as operações logísticas habituais de transportar cadeiras e preparar espaços”, prossegue. “Tudo isso é importante e faz parte da dinâmica do Bons Sons. Normalmente não é visível para os visitantes, mas é super importante para as pessoas da aldeia terem esta ideia de criação colectiva de um festival.”

Desse esforço nasceram percursos, oficinas, exposições e alguns concertos de lotação muito limitada e com transmissão em streamingtendo havido espaço também para a apresentação de um livro dedicado a Cem Soldos, da autoria do escritor José Gonçalves, que começou a relação com a aldeia como voluntário do festival.

O palco em casa 

O ponto de vista da maioria dos espectadores do concerto dos The Real Beavers foi um ecrã de telemóvel ou computador. Num exercício que inverte os princípios do festival, foi Cem Soldos a ir a casa das pessoas. A não ser que essas pessoas sejam Maria do Rosário Mourão e Vasco Mina, que abriram os portões de casa para acolher o concerto no seu jardim.

Apesar de viverem a maior parte do tempo em Lisboa, costumam estar ali na semana do festival, dizem ao PÚBLICO. Estão eles, os filhos, os sobrinhos e respectivos amigos. “Chegámos a ter aqui 60 pessoas a dormir”, conta Vasco. “Cedemos também o armazém” à organização do festival para exposições, explica Maria do Rosário, “e a eira, no terreno ao lado”, onde costuma estar instalado um palco baptizado a partir dessa sua antiga utilização agrícola.

Este Habita A Rua é também uma oportunidade para que os habitantes da aldeia usufruam da programação, uma vez que, em anos normais, estão ocupados no labor de pôr de pé e manter o festival. Daí que Ana Bento e Bruno Pinto tenham recriado um percurso por Cem Soldos que tinha sido já apresentado em 2019. O trabalho é resultado de uma residência artística na aldeia e tem por base as histórias das suas gentes. Tanto que, quando Ana Bento enumera as alcunhas locais em catadupa, ouve de volta risos que soam familiares.

Tal como em cada sábado de Agosto, a noite termina com a projecção de concertos nas paredes da aldeia. São evocações de anos anteriores, imagens que mostram o sucesso desta construção comunitária que é o Bons Sons. “Quisemos passar a mensagem de que há coisas a acontecer na aldeia, mas que é para o ano que nos voltamos a encontrar”, diz Miguel Atalaia. Se tudo correr bem, o encontro já tem data marcada: de 12 a 15 de Agosto.