E se o digital não for o futuro? Quatro olhares sobre o teletrabalho e o trabalho presencial
Desde Março que se discute a possibilidade da transferência de algumas profissões para o regime online. Uma conversa com quatro profissionais revela que o contacto humano no trabalho é essencial.
Setembro está aí à porta, mas este será um Setembro diferente do habitual. Com o arrancar das aulas e a adaptação de empresas e profissões a novos formatos, o PÚBLICO falou com uma professora, um CEO, um criador artístico e um médico sobre as novas dinâmicas e desafios que têm emergido no mercado de trabalho.
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Setembro está aí à porta, mas este será um Setembro diferente do habitual. Com o arrancar das aulas e a adaptação de empresas e profissões a novos formatos, o PÚBLICO falou com uma professora, um CEO, um criador artístico e um médico sobre as novas dinâmicas e desafios que têm emergido no mercado de trabalho.
A chegada do coronavírus a Portugal, e com ele a pandemia, levou a que as escolas rapidamente fechassem e as suas aulas fossem transferidas para o digital. O colégio D. Duarte, no Porto, antecipou-se. Duas semanas antes de terminar o 2.º período, as aulas realizavam-se já em formato online. Cláudia Soares, professora de Português e Espanhol, já se habituou a este novo meio, mas não tem dúvidas quando afirma que “o ensino à distância condiciona a aprendizagem”.
“A aprendizagem requer que o professor esteja na presença do aluno, que haja interacção”, explica, “Fica-se muito aquém de saber se o aluno faz os trabalhos de casa, se está a acompanhar a matéria”. Para esta professora, “o ideal é que as aulas sejam presenciais”, se bem que “a nível do ensino superior”, as aulas digitais já lhe pareçam mais “viáveis”. “Há mais autonomia, mais sentido de responsabilidade nessa fase”, esclarece, se bem que não se lhe afigura possível “aprofundar os conteúdos programáticos” da mesma maneira.
Correia de Sousa é CEO da First Solutions, SA, uma empresa de sistemas de informação especializada no mercado da saúde, apresenta um cenário um pouco diferente: “Do ponto de vista funcional e prático, não houve falhas.” Isto porque “as pessoas marcavam reuniões, continuámos a trabalhar, não houve disrupção”. Apesar disso, desde Junho que a empresa implementou um regime misto: “Metade das pessoas fica na empresa, a outra metade fica em casa e estes dois grupos vão-se revezando”, o que lhe parece ser um bom modelo, que permite conciliar teletrabalho com trabalho presencial.
Para o empresário, é bastante claro: “As tarefas rotineiras são até mais fáceis de realizar em casa.” Porém, no que diz respeito a “actividades mais criativas”, defende que “se perde bastante”, até porque, no modo presencial, “há sempre reuniões informais e cafés”. “A parte da criatividade diminui porque há menos discussão”, explicita. Além disso, a distância dificulta a gestão de Recursos Humanos: “Um director de departamento não consegue perceber como é que as pessoas se estão a sentir, se estão com problemas pessoais ou dificuldades financeiras.”
Importância do contacto presencial
Diogo Freitas, actor e encenador, viu grande parte da sua actividade profissional adiada pela pandemia, motivo pelo qual, durante o confinamento, teve de “arranjar soluções”, como a criação de uma web série. No entanto, encontra alguma dificuldade em definir esse seu trabalho: “Eu não posso dizer que ‘criei’, o acto de criação tem um peso muito grande. A série foi o que deu para fazer naquele momento”. Na sua óptica, seria impossível a transferência do mundo artístico para o teletrabalho: “Vivemos do contacto com o outro, do toque, do palco. Passar para o teletrabalho pode ter tido os seus benefícios, mas na nossa área, não é viável.” Neste sentido, o actor e encenador admite que a pandemia permitiu “desenhar com mais tempo projectos futuros, arranjar mais referências”, além de ter dado azo a uma “reflexão sobre o tempo”.
Numa situação crítica encontraram-se muitos médicos, obrigados a trabalhar em regime online através das teleconsultas. Pedro Cardoso, médico ortopedista, é da opinião que as teleconsultas “não dignificam o acto médico”. São muitas as limitações, diz, dando o exemplo que a consulta “implica o exame físico, que é fundamental”. “Como é que eu faço um exame ortopédico? Em que local tem [o doente] a tumefacção?”, exemplifica.
Quanto à transferência das reuniões para um formato digital, Pedro Cardoso reconhece que é possível, mas “nos congressos médicos”, diz, “há sempre a parte formal e os ‘bastidores’”. Nestes, o médico confessa que são feitos “muitos contactos e muitas amizades”, fazendo referência a uma parceria entre o Hospital de Santo António e o IPO, que surgiu numa conversa informal durante um congresso em Viena.
Postas as cartas na mesa, num mundo que se torna cada vez mais digitalizado, estes quatro profissionais consideram imprescindível o contacto humano e a troca de conhecimentos, mesmo em profissões que poderiam facilmente ser transferidas por completo para o teletrabalho. Tal como preconiza Diogo Freitas, os encontros entre pessoas trazem “uma energia, uma percepção de dinâmica” que é essencial para qualquer profissão.
Texto editado por Bárbara Wong