Reguengos, um problema de todos

O que aconteceu em Reguengos de Monsaraz é um espelho da forma como os velhos são tratados no nosso país e é, também, um espelho de um interior abandonado e deixado ao acaso.

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LUSA/NUNO VEIGA

Hoje olhei para a fantástica ilustração do André Carrilho e os pensamentos angustiantes e revoltantes iam-se acumulando na minha cabeça.

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Hoje olhei para a fantástica ilustração do André Carrilho e os pensamentos angustiantes e revoltantes iam-se acumulando na minha cabeça.

“A velhice é uma tristeza!”, ouço várias vezes da boca dos meus avós maternos. Os paternos faleceram ainda nos seus sessentas de doença oncológica e todos sofremos, mas de uma vez, como um penso rápido. Tínhamos uma data o que, só por si, não aliviou o nosso sofrimento, mas aliviou o deles. Gostava de poder reformular a afirmação dos meus avós dizendo que não é só a velhice que é uma tristeza. Um país que não garante condições dignas aos seus velhos é que é uma tristeza.

Passamos toda a nossa a vida a construir coisas das quais esperamos usufruir no próximo ano, nas próximas décadas. Talvez por isso procuremos pagar uma casa, talvez por isso pensemos em construir família e talvez por isso sejamos ambiciosos em relação às nossas carreiras. Talvez ansiemos que, um dia, os nossos filhos ou netos tenham orgulho no que construímos e talvez esperemos que no dia em que pararmos, possamos ter alguma qualidade de vida, aquela que não conseguimos ter no meio do frenesim do dia-a-dia.

Mas, na verdade, o que acontece é exactamente o contrário. A verdade é que se não acabarmos atropelados por um autocarro, mortos por um AVC ou escrutinados por um cancro, vamos viver os nossos últimos dias à espera da morte, como se ela fosse uma bênção; tudo porque o que aconteceu em Reguengos não é um caso isolado. 

O que aconteceu em Reguengos é um espelho da forma como os velhos são tratados no nosso país e é, também, um espelho de um interior abandonado e deixado ao acaso. Se ninguém quer saber dos velhos, muito menos se quer saber dos velhos no interior, os que têm os filhos longe, os que não têm dinheiro para pagar cuidados de saúde, os que vivem a dezenas de quilómetros do hospital mais próximo, os que ninguém quer visitar porque não fica a caminho. 

Reguengos é triste, mas é uma realidade nua e crua. É uma realidade que não se estende aos lares e propaga-se a muitas casas, perdidas no meio do nada ou simplesmente perdidas no meio do tudo, onde os idosos habitam, sem condições, à espera que os seus filhos possam sair dos trabalhos que acumulam para conseguir pagar as despesas que os cuidados de saúde deles acarretam, apenas para lhes dar um abraço, um consolo.

De acordo com dados do INE (2019), metade da população portuguesa tem idade superior a 45 anos, o que nos faz pensar (ou, pelo menos, deveria) naquele que queremos que seja o futuro do nosso país. O problema de Reguengos não é apenas de algumas famílias, o problema de Reguengos é de cada um de nós. É e será, se nada for feito, o problema dos nossos pais e dos pais dos nossos amigos; e, pensando bem, dos nossos filhos e dos nossos netos já que, vistas bem as coisas, que tipo de país é este que quer ensinar respeito às gerações mais novas, sendo incapaz de o demonstrar para com as mais velhas?