Comboios do Algarve condenados às mesmas velocidades do século XX

Em 1980 a viagem entre Vila Real de Sto. António e Lagos fazia-se em 2h56 e era directa. Actualmente a ligação mais rápida demora 2h50 e obriga a um transbordo em Faro. Em quarenta anos ganhou-se seis minutos.

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Nuno Ferreira Santos

Longe vai o tempo em que era possível embarcar num comboio em Vila Real de Sto. António, na estação no centro da cidade, mesmo ao lado do Guadiana, e viajar directamente para o Barreiro (na altura não havia comboio na ponte 25 de Abril). Até 2000 havia também comboios directos - e relativamente rápidos para a época – entre Vila Real de Sto. António e Lagos. Depois a CP entendeu dividir a linha do Algarve em dois troços obrigando a transbordos na estação de Faro.

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Longe vai o tempo em que era possível embarcar num comboio em Vila Real de Sto. António, na estação no centro da cidade, mesmo ao lado do Guadiana, e viajar directamente para o Barreiro (na altura não havia comboio na ponte 25 de Abril). Até 2000 havia também comboios directos - e relativamente rápidos para a época – entre Vila Real de Sto. António e Lagos. Depois a CP entendeu dividir a linha do Algarve em dois troços obrigando a transbordos na estação de Faro.

Esse paradigma manteve-se nos últimos 20 anos e explica por que um passageiro de Olhão para Loulé demore entre 30 a 40 minutos para percorrer 26 quilómetros. Em Faro é imposta uma mudança de comboio. Mas isso explica também por que motivo em 1980 se demorava 2h56 a percorrer o Algarve sobre carris e hoje se demora 2h50. A ruptura de carga em Faro bloqueia as viagens mais rápidas.

Para que as ligações melhorem são necessárias duas coisas: que a infra-estrutura permita maiores velocidades  e que a CP esteja disposta a alterar o modelo de exploração e aposte em horários mais rápidos em todo o litoral algarvio.

Projecto pouco ambicioso

Comecemos pela infra-estrutura. A Infra-estruturas de Portugal (IP) tem um projecto para o Algarve que é o menos ambicioso do Ferrovia 2020. A empresa prevê apenas electrificar as duas pontas da linha que ainda não têm catenária (Vila Real de Sto. António – Faro e Tunes – Lagos) sem contemplar qualquer intervenção que aumente as velocidades.

Entre Vila Real e Tunes as velocidades máximas permitidas oscilam entre os 80 e os 110 Km/hora (com dois pequenos troços a 120 Km/hora), mas de Tunes para Lagos a infra-estrutura pode ser classificada como uma espécie de “fim da picada” ferroviária: velocidades máximas de 90 Km/hora que são de 30 Km/hora na passagem das agulhas das estações. Mesmo que a CP queira fazer comboios Inter-regionais ou Intercidades no Algarve, com paragem só nas estações principais, estes teriam de passar a 30 à hora nas estações do ramal de Lagos.

E é assim que tudo vai continuar após o investimento de 64,8 milhões de euros que a IP pretende fazer no Algarve. A empresa diz que só obteve financiamento comunitário de 48,7 milhões de euros para este empreendimento e assume que “não esteve prevista a alteração de traçados para o aumento de velocidades”. A mesma fonte oficial da IP acrescenta que “essa alteração de pressupostos obrigaria a um aumento muito significativo do investimento global do programa”.

Quanto? A empresa não diz. A análise custo benefício do projecto algarvio da IP limitou-se a comparar os acréscimos de passageiros entre a situação actual e a electrificação, sem incluir quaisquer cenários com intervenções no traçado da linha para aumentar a velocidade.

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Estudos continuam por divulgar

A empresa, contudo, possui estudos com cenários sobre os aumentos de velocidade em função de intervenções no traçado da via -érrea. Um deles chama-se “Linhas do Sul e Algarve – Troço Torre Vã-Tunes-Faro – Análise de intervenções na infraestrutura ferroviária”, mas tanto a empresa como o ministro das Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, recusam divulgá-lo . A própria AMAL (Comunidade Intermunicipal do Algarve) solicitou à IP o acesso a esse estudo, mas a empresa não respondeu.

Um outro projecto ficou, também, fora da equação: a ligação da rede ferroviária ao aeroporto de Faro. A IP tem também um estudo sobre essa ligação, mas, mais uma vez, a empresa e ministro não quiseram divulgá-lo. A ferrovia algarvia está, assim, condenada a uma falsa modernização. No ramal de Lagos bastaria mudar as agulhas das estações e a sinalização para que houvesse um aumento de velocidade significativo, mas nem isso está previsto no projecto.

A IP recorda que “os benefícios dos investimentos ferroviários em curso não se esgotam em reduções dos tempos de percurso, sendo também importantes os ganhos de conforto, segurança e ambientais”. E que, no caso do Algarve, só a passagem da tracção diesel para a tracção eléctrica vai permitir uma redução do tempo de percurso de cerca de 25 minutos entre Lagos e Vila Real de Sto. António.

Automotoras envelhecidas

E por parte da CP? A empresa tem ao serviço no Algarve as automotoras mais envelhecidas de toda a sua frota. As UDD (Unidades Duplas a Diesel) estiveram quase a soçobrar em 2018 e 2019 com avarias constantes que obrigavam a supressões de comboios praticamente diárias e à sua substituição por autocarros.

A administração liderada por Nuno Freitas, que tomou posse há um ano, conseguiu estancar essa hemorragia e hoje as supressões são raras. O presidente e vice-presidente da CP são engenheiros com experiência em manutenção de material e rapidamente procuraram segurar a oferta regular na linha do Algarve acabando com as supressões, sem, contudo, inovar nos horários porque a expectativa é a de degradação do serviço quando começarem as obras de electrificação.

Em declarações ao PÚBLICO, Nuno Freitas lamenta que a intervenção prevista não procure aumentar as velocidades, o que, obviamente, prejudica a exploração ferroviária. Mas também reconhece que a sua empresa não tem actualmente frota eléctrica que permita um serviço de qualidade. Será necessário esperar três a quatro anos para que se conjuguem dois factores: a linha estar electrificada e a CP possuir os novos comboios cujo concurso público agora está a decorrer e que demorarão três anos a fabricar.

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Linha tem potencial enorme

Nessa altura a CP espera voltar a criar ligações directas e rápidas entre as duas pontas do Algarve através de um serviço Inter-regional ou Intercidades, tornando a viagem competitiva com o modo rodoviário, tendo até em conta que a EN125 está congestionada e que a Via do Infante é cara e passa longe do litoral, ao contrário da via-férrea. Outra das intenções de Nuno Freitas é que os comboios vindos de Lisboa prossigam viagem até Vila Real de Santo António em vez de se quedarem por Faro. Uma forma de permitir aos passageiros de Olhão, Tavira e Vila Real poderem embarcar nessas estações e só saírem em Entrecampos ou na gare do Oriente. Sem quaisquer transbordos.

“Considero que a linha do Algarve tem um potencial enorme”, diz o presidente da CP, que sublinha a importância de o comboio passar pelo centro das cidades, facto que deveria, em sua opinião, ser valorizado pelos autarcas. Os números provam esse potencial. No ranking das seis estações da rede ferroviária nacional com mais passageiros e que são apenas servidas por comboios regionais (que não possuem longo curso nem serviço suburbano) estão quatro algarvias: Olhão, Lagos, Portimão e Tavira (as outras duas são Régua e Barcelos). Um facto que, para Nuno Freitas, evidencia a necessidade de serem servidas por comboios de longo curso para além dos regionais.