Em Mindelo, a vizinhança cresce nas mãos que limpam as ruas, sem herbicida
O projecto “Adopte uma rua” tem mobilizado a população de Mindelo, em Vila do Conde, para limpar as ervas daninhas sem recurso ao glifosato. A iniciativa tem reforçado o sentido de comunidade.
“Três gerações de enxada na mão, a tentar fazer a diferença”. Quem o diz é Ana Vieira, no momento em que arranca as ervas daninhas da sua rua, a Luís de Camões, em Mindelo. “Não adianta dizermos que somos contra os químicos, se não somos parte da solução”.
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“Três gerações de enxada na mão, a tentar fazer a diferença”. Quem o diz é Ana Vieira, no momento em que arranca as ervas daninhas da sua rua, a Luís de Camões, em Mindelo. “Não adianta dizermos que somos contra os químicos, se não somos parte da solução”.
Cláudio Matos, Presidente da Junta de Mindelo, tomou posse em finais de Fevereiro, após eleições intercalares nesta freguesia de Vila do Conde. Depois de uma ronda de aplicação de glifosato nos terrenos da vila, foram alguns os residentes que manifestaram o seu desagrado. “Já havia certos sítios na freguesia em que as pessoas limpavam à porta de casa, já retiravam as ervas, faziam essa manutenção”, conta o Presidente. E foi assim que nasceu o projecto Adopte Uma Rua, que quer alertar a comunidade para “questões ambientais e de espaço público”, propondo a limpeza das ruas por parte dos cidadãos.
Especialmente porque o glifosato, comercializado desde 1974, tem sido alvo de acesas discussões. Em 2015, a Agência Internacional para Pesquisa sobre o Cancro (Iarc), parte da Organização Mundial de Saúde, declarava que o glifosato era “provavelmente cancerígeno” para humanos. Já em Dezembro de 2019, as propostas do Bloco de Esquerda (BE) e do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) para restringir ou banir o glifosato eram rejeitadas no Parlamento. Porém, em Portugal, já foram algumas as autarquias que abandonaram o glifosato, como a Câmara do Porto ou a Câmara do Funchal. Os cidadãos de Mindelo querem seguir-lhes o exemplo.
“Alguns espaços estão a ser adoptados por pessoas de outras freguesias, o que nos motiva para que não apliquemos o glifosato e para que consigamos construir uma sociedade mais limpa”, especifica Cláudio Matos, que defende a promoção de uma “cidadania activa”. A adesão ao projecto tem sido positiva, e tem funcionado de “maneira informal”, com muitos residentes a proporem limpar as suas ruas por e-mail e a partilhar o feito nas redes sociais.
António Vieira, pai de Ana, mora em Mindelo há 50 anos, e bem que conhece estas ruas, desde as áreas mais ruralizadas às mais urbanizadas, junto às praias. Na parte mais rural, as ervas crescem desmesuradamente, mas a família está determinada a retirá-las sem o recurso aos herbicidas. “Propusemo-nos a limpar metade desta rua”, diz António. Do outro lado, o pequeno José, de oito anos, ajuda os pais e o avô. “Estamos a adoptar as ruas, assim não se usam químicos”, explica o menino. “Isto é um exemplo de como uma sociedade se pode juntar”, afirma a mãe Ana Vieira, “Pequenos actos fazem a diferença”. Eduardo Silva, marido de Ana e pai de José, considera, por sua vez, que esta iniciativa é um exemplo de “responsabilidade cívica”.
Contudo, apesar do benefícios de não empregar herbicidas, Ana confessa que, enquanto limpa as ervas, já encontrou “lixo do McDonalds, máscaras, fezes de cão”. “Nem era preciso limpar, bastava não sujar”, insiste a professora. E há outros problemas que têm de ser resolvidos, como as “enxadas”. “Nem sempre a enxada é o melhor instrumento”, explica Ana, “Tem de haver uma grande vontade de investir em algum equipamento que possa ser distribuído”.
Viajando para uma zona mais urbanizada de Mindelo, até à travessa de São Pedro, onde as ruas são de alcatrão, Maria Alina, que vive próxima dos seus nove irmãos, todos empenhados em limpar as ruas, desabafa: “É uma óptima iniciativa, só que nem toda a gente adere”. Inês Terroso, sobrinha de Maria Alina que vive na casa ao lado, comenta: “Se a aplicação [do glifosato] é criticada, temos de procurar iniciativas para juntar a freguesia e pensar no ambiente”, visão que também é subscrita por Sónia Cadete Nogueira, casada com um sobrinho de Maria Alina. “Todas as freguesias deviam adoptar o projecto”, reforça.
A ideia, que começou a ser posta em prática no início de Agosto, vai para além da consciência ambiental: “Queremos fortalecer o espírito de comunidade entre os vizinhos através desta colaboração”, assinala Cláudio Matos, revelando ainda que, com a ajuda dos cidadãos, foi possível “contratar mais um colaborador” para a limpeza das ruas sem produtos químicos. E, de facto, o espírito de entreajuda parece ter-se disseminado por Mindelo, nem que seja entre as famílias que passam os últimos dias de férias a livrar-se das ervas daninhas.
Texto editado por Abel Coentrão