Uma mão cheia de dicas para quem se aventura numa autocaravana pela primeira vez
Três casais experientes em autocaravanismo contam onde pernoitar, o que não se pode esquecer e outros conselhos para uma viagem segura, confortável e, ainda assim, imprevisível numa casa sobre rodas.
Milene e Miguel acabaram de vender um dos carros para ter espaço (também na carteira) para uma autocaravana. A frota de António e Marina não pára de somar quilómetros, com várias mãos ao volante. E, para Carolina e Pedro, os fins-de-semana na Pingu já “sabem a muito pouco”.
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Milene e Miguel acabaram de vender um dos carros para ter espaço (também na carteira) para uma autocaravana. A frota de António e Marina não pára de somar quilómetros, com várias mãos ao volante. E, para Carolina e Pedro, os fins-de-semana na Pingu já “sabem a muito pouco”.
Talvez seja esse um dos principais alertas dos viajantes experientes em autocaravanismo. Com o espírito certo, e o veículo e os planos de viagens ajustados a cada pessoa, o difícil é querer outra coisa. Falámos com alguns deles para perceber como planear uma viagem — sem muitos planos.
Onde estacionar, pernoitar ou acampar
Encontrar um sítio que respeite a legislação, seja seguro e esteja na primeira fila para a praia pode provar ser uma miragem de uma das muitas publicações marcadas com a etiqueta #vanlife.
Na costa portuguesa, as autocaravanas estão proibidas de pernoitar nos parques e zonas de estacionamento de acesso às praias, uma das medidas excepcionais impostas durante a época balnear devido à pandemia de covid-19. O Governo determinou, desde o final de Julho, que o estacionamento destes veículos junto às praias apenas é permitido em “locais especificamente designados” pelas entidades gestoras dos parques e zonas de estacionamento, entre as 7h e as 21h. "Íamos muitos fins-de-semana aproveitar a praia e agora não o podemos fazer", diz Carolina Calçada. “Nesse sentido, é mais difícil viajar de autocaravana durante a pandemia.”
Prestar atenção à sinalética mais recente e à legislação em vigor na área é fundamental, mesmo quando as dicas dos utilizadores da Park4Night, aplicação móvel usada pelos três casais, indicam no mapa um sítio onde ficar. O site Eurostops também pode ser útil.
António Araújo ficou fã da Barragem de Montargil, em Portalegre, na época baixa. Reúne todas os pontos da sua lista de um sítio ideal para dormir dentro da carrinha: “perto do mar, praias fluviais ou de uma lagoa, com acessos fáceis, deslocado de parques de estacionamento, mas com outras caravanas por perto e com espaço para socializar e estar à volta das carrinhas a aproveitar o serão.” Também não teve dificuldades em encontrar onde estacionar durante a noite ao longo da N222, a estrada cénica com o famoso troço que liga Peso da Régua ao Pinhão, sempre ao longo do Douro (uma viagem que aconselham).
Por conhecerem a costa e as novas (e velhas) restrições, principalmente no Alentejo e Algarve, Milene Marques e Miguel Vale optaram em Julho pelas águas geladas das praias fluviais de Foz d’Égua ou Loriga, pelas albufeiras das barragens em Penha Garcia e Alqueva e pelas aldeias históricas do Centro. Só a voltar pelo litoral para Gaia, pernoitaram num parque de campismo na Serra da Arrábida. “Ao contrário das muitas área de serviço preparadas para autocaravanas no interior, nessa zona não há onde encher o depósito de água, limpar ou onde descarregar as águas sujas [e a cassete]”, dizem a jornalista e o enfermeiro.
Uma boa dica, salientam, é procurar saber se o Intermaché mais próximo está equipado com estas infra-estruturas de apoio aos autocaravanistas. O site Info4Camper também reúne muitos dos parques para autocaravanas em Portugal. A viajar numa van, os problemas com o estacionamento diminuem, dizem. Mas como preferem “pernoitar num sítio mais isolado, tranquilo” a ficar no centro de uma localidade, que é “sempre mais ruidoso”, estacionam a alguns quilómetros da baixa. “O que fazemos sempre é: visitamos Évora, mas pernoitamos a dez quilómetros”, conta Miguel.
Outra opção para quem procura um sítio para pernoitar e gostar de levar recordações (comestíveis) para casa é o Portugal Easy Camp. Em troca da compra de um produto produzido numa das 40 quintas parceiras do projecto, como vinho e queijos, é possível estacionar durante 24 horas nas instalações.
Outro conselho importante para uma noite de sono mais tranquila é “estacionar num terreno nivelado”, lembram Carolina e Pedro. É proibido estacionar em cima de arribas, falésias e linhas de água.
Como escolher o veículo certo
Uma carrinha onde seja impossível andar sem estar curvado ou uma autocaravana com um beliche, casa de banho completa e uma sala de estar. “Todos têm vantagens e desvantagens. Depende da pessoa e do espírito e se querem ou não ficar num parque de campismo”, diz Miguel. Daí que primeiro, “e mais importante de tudo”, é escolher a casa sobre rodas certa para o estilo de viagem e de viajante. “Perceber quantos quilómetros querem fazer e com quantas pessoas”, diz. “Muitas das vans obrigam-te a fazer vida (e ir à casa de banho) cá fora. O que no Inverno na Noruega pode não ser muito agradável”, observa o enfermeiro. Este Verão, eles fizerem 1800 quilómetros por estradas nacionais, variantes ou troços de autoestrada sem pagar portagens. Não querem saber o que acontece à carrinha Ducato de 1986 se passarem os 80 quilómetros por hora numa auto-estrada. “Dica: usar o GPS do Google Maps com a opção de evitar portagens activa.”
Este Verão, as escolhas podem estar mais reduzidas. Tanto o OLX como o Standvirtual verificaram um aumento no número de anúncios de venda e aluguer de autocaravanas. “A cada ano que passa observamos um aumento na procura por autocaravanas, é um veículo que dá uma sensação de liberdade e proporciona experiências diferentes de qualquer outro meio de transporte, mas este ano o número de contactos realizados cresceu significativamente”, escreveu Nuno Castel-Branco, director-geral do Standvirtual, num comunicado enviado ao P3.
De acordo com a Indie Campers, outra plataforma de aluguer de autocaravanas, o turismo doméstico com este meio de transporte aumentou 250%, entre Junho e Julho de 2020. “Uma tendência expectável, sendo que corresponde a uma das alternativas de mobilidade mais seguras quando se trata de reduzir as possibilidades de contágio, uma vez que permite que pequenos grupos possam viajar de forma isolada, autónoma e flexível”, escreveu Hugo Oliveira, responsável pela empresa. As visitas na Yescapa, uma plataforma francesa de aluguer entre particulares, aumentaram 400%, o que se traduziu num “aumento de 50% das reservas confirmadas” face a 2019, segundo dados fornecidos à TSF.
O que levar
De tanto lhes perguntarem o que não podem esquecer, Carolina Calçada e Pedro Cerqueira fizeram uma lista para principiantes. Nela entram produtos biodegradáveis como champô, sabonete e líquido da louça, sacos para o lixo, garrafões de água extra, roupa quente para a noite e repelente para mosquitos. Miguel relembra o adaptador do isqueiro para carregar telemóveis e o chuveiro solar portátil que pousa no tablier para aquecer a água, ao mesmo tempo que Milene insiste na importância de uma mangueira. A mesma que acharam redundante na primeira viagem a dois. E que três anos depois, e mesmo andando a vender muitos artigos que antes tinham como essenciais, ainda se lembram da falta que fez.
Deixar o sítio mais limpo do que encontraram
O aumento da procura por autocaravanas, campismo selvagem e experiências de turismo na natureza agravou preocupações com o lixo e a destruição de parques naturais como a Costa Vicentina e a Ria Formosa. Vestígios de fogueiras em pinhais, restos de lixo e de excrementos humanos ou papel higiénico são algumas das marcas do autocaravanismo e do campismo selvagem irresponsável, relatou Marcos Silva, vice-presidente da Associação Portuguesa de Guardas e Vigilantes da Natureza (APGVN), à Lusa.
Muitas das queixas por pernoita ilegal nos parques de várias praias de Aljezur e Vila do Bispo chegam de empresários locais que dizem que, mesmo com a existência de sinalética de proibição, no final de Julho os parques de estacionamento começaram a encher-se de autocaravanas e similares. Segundo a Lusa, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas reforçou a fiscalização a estas situações, que se traduziu em 1089 autos “nos seis primeiros meses de 2020”. A última acção aconteceu na quinta-feira, 13 de Agosto, em conjunto com a Guarda Nacional Republicana (GNR) e o município de Vila do Bispo, tendo sido levantados “116 autos, dos quais 91 por contra-ordenação resultante de campismo, autocaravanismo selvagem e estacionamento ilegal em locais não permitidos, e 25 por incumprimento do regulamento de sinalização de trânsito”.
Mais do que não fazer lixo, Carolina ressalva a importância de “deixar o sítio mais limpo do que encontraram” — também para limpar “a associação negativa que costuma haver a pessoas que viajam desta forma”. Mas, com o mesmo ênfase, salienta a falta de preparação de um país que entra nos roteiros da maior parte dos caravanistas europeus. “Faltam parques para autocaravanas, estações de serviço para despejar as águas sujas, falta a consciencialização das pessoas em relação aos autocaravanistas”, enumera. Desmentir, por exemplo, a ideia de que só poluem e não contribuem para o crescimento económico das regiões. “O que é mentira, porque não somos auto-suficientes, a única coisa que não pagamos é o alojamento.”
O Governo está a desenvolver uma plataforma digital para permitir reservas de noites em determinados locais autorizados para o aparcamento das autocaravanas, disse a secretária de Estado do Turismo. Apresentado em Julho, o Programa de Acção para o Autocaravanismo responsável do Turismo de Portugal tem implementação prevista em 2020 e 2021 e inclui a criação de uma rede nacional de Áreas de Serviço para Autocaravanas. Até ao momento, já foram aprovadas 41 destas áreas envolvendo 27 municípios, com um valor total de dois milhões de euros. “A este conjunto acrescerá, muito em breve, mais cinco com um valor de apoio de 464 mil euros”, sublinhou Rita Marques à Lusa.
Depois de uma viagem pela Europa, Carolina destaca a Grécia como um exemplo positivo, assim como a Escócia, onde “o direito a deambular” pelas paisagens naturais é salvaguardado por lei. “Infelizmente, em Portugal, em vez de optar pela educação, proíbe-se.”