Noventa fragmentos e mil cuidados: D. Sebastião de volta ao Rossio
Estátua de 1891 foi destruída em 2016 e a colagem dos pedaços decorreu este Verão. Regressa esta quinta-feira à estação.
Agosto tem tido uma meteorologia atípica, mas as previsões do Instituto Português do Mar e da Atmosfera para esta quinta-feira parecem estranhamente adequadas à ocasião: céu muito nublado e aguaceiros em quase todo o país. Os sebastianistas mais empedernidos não sonhariam melhor – o monarca regressa, já não em corpo e glória para conduzir o país ao Quinto Império, mas na forma de uma estátua que se julgava irrecuperável.
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Agosto tem tido uma meteorologia atípica, mas as previsões do Instituto Português do Mar e da Atmosfera para esta quinta-feira parecem estranhamente adequadas à ocasião: céu muito nublado e aguaceiros em quase todo o país. Os sebastianistas mais empedernidos não sonhariam melhor – o monarca regressa, já não em corpo e glória para conduzir o país ao Quinto Império, mas na forma de uma estátua que se julgava irrecuperável.
Está concluído o restauro da escultura de D. Sebastião que decorava a fachada da Estação do Rossio e que há quatro anos foi destruída por um homem que nela se empoleirou para tirar uma selfie.
A colagem dos fragmentos decorreu nos últimos dois meses. “Falta-nos o último desafio, que é o transporte”, diz Bruna Oliveira, revelando algum nervosismo com a operação marcada para esta quinta-feira. Um camião especificamente vocacionado para transportar obras de arte virá até ao rés-do-chão de Algés em que funciona a empresa de conservação e restauro Água de Cal, seguindo para o Rossio envolto em mil cuidados. “Esta peça, apesar de estar de pé, está muito frágil”, avisa a responsável pelo trabalho.
Quando aqui chegou no final de Junho, este D. Sebastião era uma amálgama de pedaços de diferentes dimensões a que os técnicos tiveram de dar sentido. Até para eles o resultado final foi uma surpresa. “Neste caso eu própria me surpreendi com faltarem tão poucas peças”, afirma Bruna Oliveira. No fim da intervenção, colados 90 fragmentos, reconhece-se novamente a figura do rei, quase à escala real, e há pedras que vão ser devolvidas à Infra-Estruturas de Portugal (IP) por não terem sido precisas.
A empresa pública que gere as estações de comboios guardou todos os pedaços numa sala desde 2016 e até entregou aos restauradores coisas que não pertenciam à estátua. Esse zelo, sublinha Bruna, permitiu o sucesso do trabalho. “Eles guardaram mesmo tudo!”
A IP decidiu que este D. Sebastião ficará a partir de agora no interior da estação, no átrio, “ficando em espelho com a réplica que futuramente será colocada no nicho da fachada”, explica fonte oficial. A construção da réplica ainda não está contratada.
“O restauro foi feito tendo em conta que a estátua vai para o interior, que não vai estar em contacto com a chuva nem com o vento forte”, diz Bruna Oliveira. Apesar de ser novamente uma figura una e de estar limpa de sujidade, um olhar atento facilmente reconhece as zonas degradadas. Esculpida num único bloco de calcário (e não lioz, como se chegou a pensar), a estátua “já tinha muitas reconstituições”, explica a conservadora-restauradora, apontando para os dedos do monarca, o medalhão ao peito, a espada, a fivela e os castelos do escudo como zonas em que a argamassa tinha já substituído a pedra.
“Este calcário é muito fácil de esculpir, mas tem pouca durabilidade no exterior porque tem uma absorção de água muito elevada”, diz, concordando que a peça “não tem condições” para ficar novamente exposta aos elementos. “Se fizerem a réplica no mesmo material, daqui a 50 anos não vai estar em bom estado.”
À semelhança das antigas intervenções que foram reparando os defeitos da escultura, também esta recorreu à argamassa para lhe dar a coerência devida. Isso aconteceu, por exemplo, na cabeça do rei, a parte mais danificada com a queda. Foi preciso reconstruir-lhe a nuca. “A intervenção não tenta dissimular o original, mas discernir de forma harmoniosa o que é a peça original e o que é a intervenção”, explica a responsável, sublinhando que o trabalho agora feito é reversível mais tarde, se assim se entender.
Mais invisível e mais permanente é o que foi feito para garantir a integridade da peça. Ao pô-la de pé tornou-se inevitável incluir pequenos varões de inox e fibra de vidro para que ela não desmoronasse. “Não dá para descolar”, garante Bruna Oliveira.
Habituada a trabalhar com pedra e cerâmica, a técnica diz que “não é habitual” passarem-lhe pelas mãos peças com tantas fracturas. Até a Direcção-Geral do Património Cultural, que analisou os fragmentos e ajudou a IP a preparar o caderno de encargos, chegou a dar a estátua como quase irrecuperável, apontando para um restauro de 70%. Olhando para a peça agora, esse objectivo parece ter sido largamente ultrapassado.
Nos últimos quatro anos, a destruição do D. Sebastião originou várias moções e recomendações na Câmara de Lisboa e na assembleia municipal e até foi motivo para uma manifestação. “É muito bom para o património haver estas discussões e as pessoas se interessarem”, afirma Bruna Oliveira. Pelo contrário, não vê com bons olhos que o homem que derrubou a estátua tenha saído do tribunal absolvido, como o PÚBLICO revelou. “Parece que podemos fazer tudo com o património e nada nos acontece”, lamenta.