Michelle Obama apela ao voto em Joe Biden “como se a vida dependesse disso”
Convenção do Partido Democrata arranca com a mensagem de que Biden é o antídoto contra Trump, um Presidente “com uma total falta de empatia”. Senador Bernie Sanders diz à ala progressista que votar em Biden é “preservar a democracia americana”.
O primeiro dia da convenção do Partido Democrata norte-americano, que vai carimbar a candidatura de Joe Biden à Presidência dos Estados Unidos, ficou marcado por discursos e testemunhos desenhados para criarem um sentimento de urgência entre os eleitores como não há memória na história recente.
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O primeiro dia da convenção do Partido Democrata norte-americano, que vai carimbar a candidatura de Joe Biden à Presidência dos Estados Unidos, ficou marcado por discursos e testemunhos desenhados para criarem um sentimento de urgência entre os eleitores como não há memória na história recente.
Ao apresentarem Donald Trump como um Presidente incapaz de estar à altura dos grandes desafios do país, e como um perigo existencial para a democracia norte-americana, figuras como a antiga primeira-dama Michelle Obama e o senador Bernie Sanders reforçaram a ideia de que nas eleições de Novembro vão estar em jogo não uma, mas duas escolhas: sim, Joe Biden será um bom Presidente se vencer, disseram ambos, mas mais importante ainda será derrotar Donald Trump.
Numa convenção que está a decorrer à distância por causa da pandemia de covid-19, e cujo primeiro dia foi apresentado pela actriz Eva Longoria Bastón (as próximas noites serão apresentadas por outras três actrizes: Tracee Ellis Ross, Kerry Washington e Julia Louis-Dreyfus), o primeiro grande momento foi protagonizado por familiares de George Floyd – o cidadão negro cujo homicídio, em Maio, foi o ponto de partida para os maiores protestos anti-racismo nos Estados Unidos desde a década de 1960.
Os testemunhos de familiares de vítimas são uma das imagens de marca das convenções dos grandes partidos norte-americanos. Em teoria, ajudam a passar as mensagens de uma forma mais emotiva – um exemplo disso foi o testemunho de Khizr Khan, o pai de um capitão do Exército norte-americano morto na guerra no Iraque, cujo discurso na convenção de 2016 do Partido Democrata foi atacado por Donald Trump, então ainda candidato à Casa Branca.
Mas se o modelo tradicional das convenções, dominado por aplausos e pelo burburinho de milhares de pessoas em ambiente de festa, faz com que os convidados menos sonantes tenham de lutar por um pouco de atenção, os discursos à distância parecem favorecer uma relação de proximidade.
E quando o irmão de George Floyd pediu um momento de silêncio para recordar as vítimas da violência policial cujos homicídios “não se tornaram virais”, os 30 segundos de silêncio que se seguiram – nas transmissões através da Internet, mas principalmente na televisão – foram um momento raro em horário nobre.
"Traído por Trump"
Para além do racismo, o outro grande temas do primeiro dia da convenção do Partido Democrata foi a pandemia de covid-19 e as suas consequências para a saúde pública e para a economia do país.
E foi também com toda a atenção que os espectadores puderam ouvir uma das mais fortes acusações da noite contra o Presidente Trump, no testemunho de Kristin Urquiza, cujo pai morreu de covid-19.
Mark Anthony Urquiza votou em Trump em 2016 e até Maio passado apoiou o Presidente norte-americano e acreditou que a pandemia era um exagero dos media, disse Kristin Urquiza. “Uma das últimas coisas que o meu pai me disse foi que se sentia traído por pessoas como Donald Trump. Por isso, quando eu votar em Joe Biden, vou fazê-lo pelo meu pai.”
Kristin Urquiza concluiu o seu testemunho com uma frase que será certamente usada pelo Partido Democrata nas televisões e nas redes sociais: “O meu pai tinha 65 anos e era saudável. O seu único problema de saúde foi confiar em Donald Trump, e pagou por isso com a sua vida.”
Apelo aos republicanos
As duas horas de discursos e testemunhos diários, que vão culminar com o discurso de aceitação de Joe Biden na noite de quinta-feira (madrugada de sexta-feira em Portugal), foram também usadas pelo Partido Democrata para tentar comunicar com eleitores republicanos desiludidos com Trump.
Em nome desses eleitores falou John Kasich, um antigo governador do Ohio que concorreu às eleições primárias do Partido Republicano em 2016. Ao contrário de outras figuras do partido que começaram por se opor a Trump e que mais tarde viriam a apoiá-lo de forma incondicional – como os senadores Ted Cruz e Lindsey Graham –, Kasich nunca deixou de criticar o Presidente norte-americano.
Descrevendo Joe Biden como “um homem bom, um homem crente e um unificador”, o antigo governador do Ohio dirigiu-se aos eleitores do Partido Republicano que ouvem Donald Trump a classificar o candidato do Partido Democrata como um “radical de esquerda”.
“Eu não acredito que o Joe vire muito à esquerda e que vos deixe para trás, porque eu conheço-o. É um homem razoável e respeitador, e ninguém lhe dá ordens”, disse Kasich, numa mensagem cuja eficácia deixa algumas dúvidas – não será bem recebida pela ala progressista do Partido Democrata, que espera precisamente o contrário de Biden, e muitos dos republicanos que estão descontentes com o Presidente Trump já terão decidido votar em Joe Biden.
O primeiro dia da convenção do Partido Democrata terminou com os dois discursos mais aguardados, do senador Bernie Sanders e da antiga primeira-dama Michelle Obama.
Num apelo aos seus apoiantes nas primárias, feito com mais convicção do que quando se viu forçado a apoiar Hillary Clinton em 2016, Sanders pediu-lhes que votem em Joe Biden para “a preservação da democracia americana”.
“Muitas das ideias pelas quais lutámos eram consideradas radicais ainda há poucos anos”, disse Sanders, sublinhando a adopção pelo Partido Democrata de propostas mais à esquerda desde a sua primeira candidatura, há quatro anos. “Mas deixem-se ser claro: se Donald Trump for reeleito, todos os progressos que fizemos serão postos em causa.”
“No essencial, esta eleição diz respeito à preservação da nossa democracia”, alertou o senador do Vermont.
Mas foi o discurso de Michelle Obama que fez as manchetes dos jornais e abriu os noticiários da madrugada nos Estados Unidos – e que vai ser ouvido esta terça-feira pelos milhões que não assistiram à transmissão em directo.
Se há quatro anos, na convenção que consagrou Hillary Clinton como candidata à Casa Branca, Michelle Obama apelou aos eleitores que mantivessem a cabeça fria perante os ataques de Donald Trump, desta vez o apelo foi feito com o sentimento de urgência de quem tem a vida em risco.
“Temos de votar em Joe Biden como se as nossas vidas dependessem disso”, declarou Michelle Obama, que se referiu a Donald Trump como um homem “com uma total ausência de empatia”.
E mesmo que tenha reafirmado a sua ideia de que o combate deve continuar sem se cair na tentação de usar as mesmas armas, Michelle Obama não resistiu a fazer referência a uma das declarações mais polémicas de Trump, quando o Presidente norte-americano reagiu ao número de mortes por covid-19 nos Estados Unidos com um “It is what it is” (é o que é).
“Ele teve tempo para provar que tem capacidade para desempenhar a função, mas é óbvio que não tem mãos para isso. Não tem capacidade para estar à altura deste momento. Ele não pode ser a pessoa que nós precisamos que ele seja. It is what it is”, disse Michelle Obama.