Dissidente acusa Partido Comunista Chinês de ser “obstáculo ao progresso da China”

Cai Xia foi expulsa do Partido Comunista Chinês na segunda-feira por críticas ao regime de Xi Jinping. Garante que há cada vez mais opositores dentro do partido, numa altura em que figuras críticas como o professor Xu Zhangrun ou o empresário Ren Zhiqiang são visadas pelas autoridades.

Foto
Xi Jinping nas cerimónias do 70.º aniversário da República Popular da China, em Pequim, no dia 1 de Outubro de 2019 EPA/ROMAN PILIPEY

Uma antiga professora da Escola Central do Partido Comunista Chinês (PCC) acusou o Presidente chinês, Xi Jinping, de estar a “matar o país” e afirmou que outras figuras do regime querem sair do partido que vêem como um “obstáculo ao progresso da China”.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Uma antiga professora da Escola Central do Partido Comunista Chinês (PCC) acusou o Presidente chinês, Xi Jinping, de estar a “matar o país” e afirmou que outras figuras do regime querem sair do partido que vêem como um “obstáculo ao progresso da China”.

Cai Xia, que dava aulas na escola onde são formadas altas figuras do PCC desde 1992, foi expulsa do partido na segunda-feira e perdeu o direito à sua pensão, devido a discursos que “prejudicaram a reputação” da China e que constituem “sérios problemas políticos” para o país.

Em causa está uma gravação de um discurso de Xia divulgado online em Junho, em que a professora se refere ao Partido Comunista como um “zombie político” e, sem dizer directamente o nome do Presidente chinês, apelida Xi Jinping de “chefe da máfia”. Segundo o South China Morning Post, Cai Xia, 68 anos, há vários anos uma figura bastante crítica dentro do PCC, está nos Estados Unidos, em segurança.

Esta terça-feira, o The Guardian publicou a primeira entrevista a Cai Xia desde esta foi expulsa do partido. Em Junho, a professora já tinha falado com o jornal britânico, mas, por receio de represálias, pediu que a entrevista não fosse publicada. Agora, não poupa nas palavras contra Xi Jinping e garante que está “contente” por ter sido expulsa.

“Eu pretendia sair do partido há vários anos, quando deixou de haver espaço para falar e a minha voz estava completamente bloqueada”, afirmou Cai Xia. “Tenho muito mais liberdade agora. O meu discurso está livre de quaisquer restrições. Sou responsável apenas pela minha própria consciência e princípios”, sublinhou.

Cai Xia afirma que “sob o regime de Xi [Jinping], o PCC não é uma força para o progresso da China, mas sim um obstáculo” e acusa o Presidente chinês de ter “tornado o mundo num inimigo”: “Quando ninguém se opõe, o seu poder é ilimitado.”

Na mesma entrevista ao diário britânico, Cai Xia refere que outras figuras do regime pretendem abandonar o Partido Comunista: “Acredito que não sou a única a querer sair do partido. Mais pessoas também gostariam de o fazer.”

Segundo Xia, o descontentamento no interior do PCC está a aumentar, especialmente entre a sua geração, que entrou para o partido durante as reformas de Deng Xiaoping e viu a China entrar na Organização Mundial do Comércio em 2001.

“Quem está dentro do partido e viveu os últimos 20 ou 30 anos, sabe qual a direcção certa e qual a que leva a um beco sem saída. Fazemos parte de um grupo de quadros que se juntou ao partido após a sua reforma e abertura. É por isso que digo que todos têm uma clara noção do que está a acontecer”, justificou.

Reformistas na expectativa

Semanas antes de expulsarem Cai Xia do PCC, as autoridades chinesas tomaram medidas mais duras contra outras figuras que, nos últimos meses, subiram o tom das críticas ao regime de Xi Jinping.

No início de Julho, a polícia chinesa deteve Xu Zhangrun, professor da prestigiada Universidade de Tsinghua, uma das poucas vozes da academia que tem criticado abertamente Xi Jinping e que se destacou em 2018 ao criticar o fim do limite de mandatos presidenciais.

Depois de vários artigos a criticar Xi Jinping e de ficar em prisão domiciliária e sem acesso à internet no passado mês de Fevereiro, Xu Zhangrun foi levado pelas autoridades chinesas e a sua casa alvo de buscas, tendo a polícia confiscado o seu computador e outros bens. Foi acusado de ter solicitado serviços de prostituição numa viagem de trabalho, uma acusação que negou, tendo sido libertado a 12 de Julho, após seis dias de detenção.

Semanas depois, foi a vez de Ren Zhiqiang, um milionário chinês do ramo imobiliário que num artigo em Março chamou “palhaço” a Xi Jinping devido à sua gestão da pandemia de covid-19, ser alvo do regime – foi expulso do PCC e acusado de corrupção.

Estes dois casos levaram Cai Xia a publicar um artigo na Radio Free Asia a denunciar os ataques levados a cabo pelas autoridades chinesas.

“Eles perseguiram Xu Zhangrun ao arruinarem a sua reputação e humilharem a sua dignidade, privando-o do seu direito e cortando o seu sustento”, escreveu Xia, citada pelo New York Times. “Isso intimida abertamente toda a comunidade académica, dentro e fora do sistema”, rematou. 

As vozes abertamente críticas dentro do regime são escassas, no entanto, segundo Deng Yuwen, antigo editor do Study Times, um jornal publicado pela Escola Central do PCC, a viver nos Estados Unidos. Várias figuras reformistas do partido aguardam por uma crise que possa levar a mudanças no regime.

“Com base nas minhas observações, um número considerável de reformistas dentro do partido, como Cai Xia, está desesperado”, disse Yuwen ao New York Times. “Mas, na maior parte dos casos, colocam a culpa em Xi Jinping e esperam por algum erro de Xi que possa revigorar as forças reformistas dentro do partido”, acrescentou.