Desvendada peça-chave para a persistência de infecções virais ligadas ao cancro

Equipa de cientistas – que inclui portugueses – descobriu uma região de uma proteína viral que parece ser uma peça-chave para a persistência do vírus herpes associado ao sarcoma de Kaposi.

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Imagem de microscopia electrónica de viriões MHV-68, um vírus herpes relacionado com o vírus herpes associado ao sarcoma de Kaposi Pedro Simas

Só ao descobrirmos todas (ou quase todas) as peças de um quebra-cabeças ficamos em condições de o resolver. O mesmo pode acontecer com as infecções virais: apenas ao conhecermos (o melhor que se conseguir) as suas componentes se podem desenvolver terapias mais eficazes. Desta vez, as novidades vêm de um quebra-cabeças chamado “vírus herpes associado ao sarcoma de Kaposi”, um dos sete vírus conhecidos que causam cancro em humanos. Na fase latente da infecção do vírus, algumas proteínas virais são produzidas, como a LANA, e fazem com que o vírus fique persistentemente nas células. Agora uma equipa de cientistas – que inclui cientistas portugueses – desvendou uma região da LANA que parece ser uma chave para a latência viral e a infecção persistente nas células humanas. Isto poderá vir a contribuir em terapias para tumores, como o sarcoma de Kaposi e alguns linfomas.

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Só ao descobrirmos todas (ou quase todas) as peças de um quebra-cabeças ficamos em condições de o resolver. O mesmo pode acontecer com as infecções virais: apenas ao conhecermos (o melhor que se conseguir) as suas componentes se podem desenvolver terapias mais eficazes. Desta vez, as novidades vêm de um quebra-cabeças chamado “vírus herpes associado ao sarcoma de Kaposi”, um dos sete vírus conhecidos que causam cancro em humanos. Na fase latente da infecção do vírus, algumas proteínas virais são produzidas, como a LANA, e fazem com que o vírus fique persistentemente nas células. Agora uma equipa de cientistas – que inclui cientistas portugueses – desvendou uma região da LANA que parece ser uma chave para a latência viral e a infecção persistente nas células humanas. Isto poderá vir a contribuir em terapias para tumores, como o sarcoma de Kaposi e alguns linfomas.

Vejamos como funciona o vírus herpes associado ao sarcoma de Kaposi. Este vírus vai infectar células humanas, sobretudo linfócitos, e expressar os seus genes na célula hospedeira. Desta forma, o vírus assumirá o controlo dos mecanismos de crescimento da célula, que se multiplicará de forma descontrolada. Isso poderá resultar num tumor, como o sarcoma de Kaposi ou o linfoma primário de efusão, explica-se num comunicado do Instituto de Medicina Molecular (IMM), em Lisboa, sobre o trabalho publicado esta segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

Na fase latente, há certas proteínas virais que são produzidas e fazem com que o vírus fique de forma persistente dentro das células. Uma delas é então a LANA, que é associada ao estado de dormência deste vírus e que tem um papel crucial na replicação e persistência dos genomas virais nas células hospedeiras.

Há já alguns anos que um grupo coordenado pelo virologista Pedro Simas (do IMM) tem vindo a estudar as funções da LANA. Esta equipa tem trabalhado em conjunto com a que é liderada por Kenneth Kaye (da Faculdade de Medicina de Harvard, EUA), que estuda o vírus herpes associado ao sarcoma de Kaposi. “É uma verdadeira colaboração sinergética”, caracterizava em 2017 Pedro Simas sobre o trabalho desenvolvido pelas duas equipas, que começaram a colaborar com o programa Harvard Medical School Portugal.

Há três anos, os dois grupos anunciavam na revista científica PLOS Pathogens que tinham criado um vírus quimera (um organismo vivo que tem origens genéticas diferentes) que poderia ajudar no tratamento do cancro humanos causado pela infecção de vírus herpes associado ao sarcoma de Kaposi. Como os ratinhos têm um vírus homólogo com a proteína LANA muito parecido com a do vírus humano, conseguiu-se substituir o gene que codifica a proteína do vírus humano no vírus do ratinho.

Na altura em que explicava o que tinha feito nesse trabalho, Pedro Simas caracterizava assim a LANA: “Temos trabalhado com uma proteína que é responsável pela sobrevivência do vírus dentro das células em proliferação, uma proteína que se chama LANA”, descrevia. “Se inibirmos esta proteína, conseguimos eliminar o vírus. Uma das características destes linfomas e destes cancros associados a estas infecções é que, não estando lá o vírus, o cancro deixa de proliferar.”

A interacção com a p53

Agora, anunciam que conseguiram descobrir uma região da LANA que é a chave para a persistência do vírus”, nota Pedro Simas. Essa região da LANA interage preferencialmente com uma forma de uma proteína supressora de tumores, a p53. Neste estudo acabou então por se descobrir novas funções da LANA.

“O aspecto interessante desta descoberta é que essa região da LANA percebe ou ‘lê’ a presença de uma modificação específica na proteína p53, a aceptilação, modificação essa que as proteínas podem adquirir enquanto são produzidas pela célula”, explica no comunicado Pedro Simas, que coordenou este trabalho juntamente com Kenneth Kaye. Portanto, a interacção entre a região agora desvendada da LANA com a p53 (ou talvez até de outras proteínas) poderá permitir que o vírus fique persistentemente nas células tumorais. 

Este tipo de trabalhos é crucial para se ter mais pistas para o desenvolvimento de potenciais terapias para tumores como o sarcoma de Kaposi. Afinal, esta doença ligada à imunossupressão associada sobretudo à sida não tem uma terapia específica, como se realça no comunicado. E até se sugere no artigo científico: “Pode existir [aqui uma] oportunidade para se desenvolverem inibidores que bloqueiem a função de leitura de domínio ácido da LANA para a terapia de tumores ligados ao vírus herpes associado ao sarcoma de Kaposi.” No comunicado, Kenneth Kaye desmonta esta frase e refere que este tipo de descobertas pode ser usado para desenvolver terapias para os tumores causados por vírus herpes. Como? Ao bloquear-se a função desta região da LANA, poderá eliminar-se a persistência do vírus e matar as células tumorais.