Que relatórios lê, senhora ministra?
Custa admitir que, perante um suposto desleixo com óbvias implicações na saúde de pessoas, uma ministra tenha delegado em terceiros a avaliação de um relatório que há dias perturbava e revoltava os portugueses.
Uma das mais óbvias ferramentas racionais que um governante tem para avaliar a gravidade de um problema é recorrer à evidência dos números ou das estatísticas. Se é verdade que a análise da ministra da Segurança Social incomoda por reduzir o drama das infecções com covid-19 nos lares a uma conta que envolve 3% de todas as instituições e 0,5% dos seus utentes, como nota bem o PSD, não é por esta comparação que se pode medir a “insensibilidade” da Ana Mendes Godinho ou pedir a sua demissão. Muito mais grave e preocupante, porque é testemunho de desinteresse, de falta de sentido de missão ou até de arrogância, é ter dito numa entrevista ao Expresso que não tinha lido o relatório da Ordem dos Médicos que traçava a existência de situação assustadora no lar de Reguengos de Monsaraz onde morreram 18 pessoas.
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Uma das mais óbvias ferramentas racionais que um governante tem para avaliar a gravidade de um problema é recorrer à evidência dos números ou das estatísticas. Se é verdade que a análise da ministra da Segurança Social incomoda por reduzir o drama das infecções com covid-19 nos lares a uma conta que envolve 3% de todas as instituições e 0,5% dos seus utentes, como nota bem o PSD, não é por esta comparação que se pode medir a “insensibilidade” da Ana Mendes Godinho ou pedir a sua demissão. Muito mais grave e preocupante, porque é testemunho de desinteresse, de falta de sentido de missão ou até de arrogância, é ter dito numa entrevista ao Expresso que não tinha lido o relatório da Ordem dos Médicos que traçava a existência de situação assustadora no lar de Reguengos de Monsaraz onde morreram 18 pessoas.
O relatório da Ordem dos Médicos não podia nunca ser visto como mais um documento rotineiro e burocrático para a pilha de papéis na secretária da ministra. Esse documento dá conta de uma iniciativa anunciada com gravidade pela OM a 12 de Julho e chega ao conhecimento a 6 de Agosto. Desde então, a comunicação social ou os partidos com assento parlamentar desdobraram-se em divulgar as suas terríveis conclusões: em Reguengos não tinham sido cumpridas as regras da DGS em termos de, por exemplo, distanciamento, havia uma clara falta de meios humanos que fez com que idosos passassem dias sem receberem “terapêuticas habituais” e, entre outras falhas, houve atrasos na aplicação de medidas de prevenção e desorganização na Administração Regional de Saúde de Évora.
Perante a revelação de uma terrível falha do Estado verificada num lar, custa compreender como a responsável pela tutela destas instituições não sentiu curiosidade ou dever para ler pessoalmente o relatório. Custa aceitar que lhe tenha bastado pedir a assessores que o lessem por si e lhe resumissem as conclusões. Custa admitir que, perante um suposto desleixo com óbvias implicações na saúde de pessoas, uma ministra tenha delegado em terceiros a avaliação de um relatório que há dias perturbava e revoltava os portugueses.
Bem sabemos que Ana Mendes Godinho está a gerir uma pasta duríssima nestes dias de pandemia. Conseguimos imaginar as frentes e a complexidade dos problemas a que tem de responder. Mas mesmo numa situação extrema de trabalho e dificuldade, não podia considerar o relatório da OM como uma série de papéis iguais a tantos outros. Fazendo-o, destruiu capital político e credibilidade aos olhos dos cidadãos e legitimou os pedidos de demissão que, entretanto, foram anunciados.