O turismo de natureza apaixona e veio para ficar
É verdade, no Norte temos mesmo tudo e, de vez em quando, é importante sermos cobaias da nossa própria terra para podermos falar dela com o coração e a razão em harmonia com o orgulho.
Apaixonei-me pelo “turismo de natureza” ou, sem entrar em grandes especificações técnicas, pelo “turismo na natureza” há cerca de dez anos, tendo começado por acampar ano após ano. Da primeira experiência recordo aquilo que verdadeiramente me encantou e me faz procurar esse tipo de experiência para uma boa parte dos dias de Verão, quer chova, quer faça sol, quer a vida esteja num mar de rosas ou mergulhada dentro de uma trovoada agreste.
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Apaixonei-me pelo “turismo de natureza” ou, sem entrar em grandes especificações técnicas, pelo “turismo na natureza” há cerca de dez anos, tendo começado por acampar ano após ano. Da primeira experiência recordo aquilo que verdadeiramente me encantou e me faz procurar esse tipo de experiência para uma boa parte dos dias de Verão, quer chova, quer faça sol, quer a vida esteja num mar de rosas ou mergulhada dentro de uma trovoada agreste.
Adormecer com a energia do luar tão próxima da almofada, sentir a linguagem das estrelas em comunhão com os animais da noite, bem como as rajadas de vento na tenda, seduziu a minha pele humana domesticada pelas quatro paredes amorfas da cidade ou pelos cómodos hábitos provenientes dos Verões de toda uma vida.
Este ano, devido à pandemia, cancelei o campismo anual de Verão, mas não descansei enquanto não reverti a experiência no seio da natureza para outra o mais semelhante e cómoda possível, garantindo que não teria que partilhar o WC com estranhos, entre outras situações que considero que maximizam algum risco nos tempos que vivemos.
Pesquisei todos os glampings e bungalows existentes no Parque Nacional da Peneda Gerês e eis que descobri um, no meio de nenhures. Este local está inserido numa aldeia rural que foi reabilitada e que é composta por algumas casas talhadas na pedra e na madeira do carvalho que abunda naquelas matas. Um ecopark e respectivo rio, vários trilhos pedestres sinalizados, um miradouro no topo da encosta cuja paisagem é de cortar a respiração. É também, curiosamente, o único local onde existe rede móvel.
Por aquelas bandas cruzei-me com os pastores e o seu gado. Gado que, aliás, nos recorda que nós é que invadimos estas terras, o que nos deve relembrar todos os cuidados a ter para preservar a natureza, evitando posteriores desastres como incêndios, cujo rastilho bem pode ser a beata que julgamos ser inofensiva.
Este gado chama os turistas pelo nome, fazendo-os ceder pacientemente a passagem, porque ali não reinam os ingleses como outrora reinaram no Algarve. Na Serra do Soajo e na Peneda-Gerês reina o sangue lusitano de bois, vacas, cabras, ovelhas, cães, cavalos, entre outros animais.
Este paraíso que descrevi fica na serra do Soajo, na aldeia de Oucias, em Arcos de Valdevez, e foi para mim a porta de entrada para abraçar e explorar a aldeia do Soajo, o recém-inaugurado baloiço do Mezio, a aldeia do Sistelo e os seus passadiços, bem como a já famosa Ecovia do Vez, onde uma vez mais recordo que quem reina é fauna e a flora que devemos respeitar e preservar. Os dias que se seguiram penetraram na mata da Albergaria e continuaram na Albufeira da Caniçada nas margens do rio Caldo.
Durante estes parcos mas intensos dias de férias cruzei-me com pessoas do país todo, sobretudo da região do Sul e Vale do Tejo, que atentas aos múltiplos apelos que foram feitos nos meios de comunicação, debandaram até ali, trocando o calor do Algarve pelo calor da serra a Norte. Vi aquelas pessoas deslumbradas com as paisagens, com a comida, com as montanhas que se cruzam e entrecruzam, gerando múltiplas ilusões de óptica, perdendo-se no horizonte os seus inícios e fins. Brinquei várias vezes com aquela crónica no PÚBLICO do Miguel Esteves Cardoso que refere que no Norte têm tudo. É verdade, no Norte temos mesmo tudo e, de vez em quando, é importante sermos cobaias da nossa própria terra para podermos falar dela com o coração e a razão em harmonia com o orgulho.
Desde a gastronomia, à arte de bem receber, desde a natureza bem preservada e cuidada, aos trilhos que cuidadosamente têm alimentado práticas como o trekking, estas matas oferecem um vício que apaixona e promete ficar pela vida toda. Por sua vez, a beleza das praias fluviais destas paragens, ainda que devamos recordar que nos tempos que vivemos os seus espaços não abundam em comparação aos longos areais das nossas costas, oferecem múltiplas actividades náuticas que nos permitem ir a banhos para acalmar o muito calor que também se faz sentir serra adentro. Saibamos investir no interior, comunicando-o por todas as partes e melhorando os seus acessos, bem como condições de segurança, num tempo em que o ser humano procura e regressa aos encantos da natureza.
Os milhões da Europa não deveriam servir para diminuir as desigualdades entre o litoral e o interior de um país com tanto para oferecer, onde deveria ser possível desligar os fusíveis sem nos desconectamos da vida moderna e das suas responsabilidades que, quer queiramos quer não, implicam estar em constante contacto com o mundo? Ouvi muitos queixarem-se que, infelizmente, por este motivo não poderiam alargar a passagem por estas paragens.
A energia e a paz da natureza viciam todos aqueles que, com ou sem pandemia, se apercebem que a essência humana está mais próxima dos rios e das montanhas do que de arranha-céus e consolas de jogos.