Afinal há silly season
A “season” é, sem dúvida atípica. Infelizmente, continua “silly”.
Temos futebol de alto nível e a promessa da realização de outros eventos desportivos, apresentados, todos, como grandes vitórias da diplomacia portuguesa.
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Temos futebol de alto nível e a promessa da realização de outros eventos desportivos, apresentados, todos, como grandes vitórias da diplomacia portuguesa.
Temos praias seguras e bolas-de-berlim exibidas e degustadas por elevadas figuras do Estado.
Temos as habituais “curvas de sonho” em desfiles à beira-mar e temos os costumeiros “amores”, que se juram felizes, e cujo prazo de caducidade se situa lá para o fim do verão, mas que vão enchendo, tanto as curvas como os amores, as páginas das revistas especializadas.
Temos racismo, ou melhor, descobrimos que temos racismo e, subitamente, esse racismo que sempre tivemos (recorde-se que Portugal teve uma guerra colonial e que foi o último país europeu a fazer a descolonização) adquiriu o estatuto de uma insuspeitada revelação de horrores.
Fizeram-se ouvir as vozes das elevadas figuras do Estado (entre um mergulho e uma dentada na bola-de-berlim) e deu-se protagonismo a um episódio que não o deveria ter – porque me parece ser tão perigoso negar a existência de racismo, quanto empolá-lo em excesso.
Na primeira situação, porque se instala um risco real para as potenciais vítimas e, na segunda situação, porque se criam clivagens e se agudizam tensões sociais, que são, exactamente, aquilo de que a sociedade portuguesa não necessita e, em simultâneo, aquilo de que grupelhos extremistas precisam, para se fazerem notar.
Temos uma pandemia, com números que aumentam de novo e um manifesto desnorte regulamentador, por parte das autoridades, que debilita, ainda mais, uma economia já demasiado debilitada, como mostra a brutal queda do PIB.
Temos milhares de consultas e de cirurgias desmarcadas, que aumentarão o número de vítimas da pandemia – indirectas, é certo, mas vítimas.
Temos uma população mais velha encerrada em lares, onde faltam recursos, apoios, planos estratégicos (que não são, apenas, planos de contingência) e onde sobra a solidão, a tristeza e a sensação de abandono.
Temos um Estado que esbanja dinheiro e, pelos vistos, confiança, em bancos a que chamaram “bons” e numa companhia de aviação “de bandeira”, que, além das sucessivas gestões ruinosas - o que, bem vistas as coisas, talvez seja uma bandeira nacional - e a julgar pelas opiniões publicadas no tripadvisor, por emigrantes portugueses, não prima por tratar bem os compatriotas.
E temos um desemprego em crescendo - apesar dos malabarismos estatísticos - que afecta os que ganhavam os salários mais baixos e os que trabalhavam em condições e sectores mais precários.
Aqueles que, por ganharem seiscentos euros, não percebem de administrações executivas e não executivas, que não são clientes das grandes sociedades de advogados, que não sabem, exactamente, onde ficam as ilhas Caimão, nem outros paraísos fiscais, que não percebem de bancos “bons” nem “maus” e que, talvez, nunca tenham, sequer, usufruído desse imenso privilégio de viajar na companhia “de bandeira”.
Aqueles que, por ganharem seiscentos euros, só queriam poder chegar ao fim do mês com alguma tranquilidade e, talvez, permitir-se o luxo de uma tarde de praia, com direito ao fausto de uma bola-de-berlim.
A “season” é, sem dúvida atípica. Infelizmente, continua “silly”.