Despedimento colectivo na Cinemateca Brasileira põe em risco o maior acervo audiovisual da América Latina
As equipas técnicas começaram esta quinta-feira a ser despedidas pela organização que vinha gerindo a Cinemateca, que alega incumprimento financeiro do Governo federal. Cerca de 250 mil bobines de filmes e mais de um milhão de documentos podem estar ao abandono.
A Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP), seleccionada em 2016 pelo Governo federal para gerir a Cinemateca Brasileira, sediada em S. Paulo, anunciou a demissão de cerca de 40 funcionários da instituição, abarcando todos os departamentos, das equipas que asseguravam a preservação, a documentação e pesquisa e a programação até trabalhadores dos serviços administrativos ou de atendimento.
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A Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP), seleccionada em 2016 pelo Governo federal para gerir a Cinemateca Brasileira, sediada em S. Paulo, anunciou a demissão de cerca de 40 funcionários da instituição, abarcando todos os departamentos, das equipas que asseguravam a preservação, a documentação e pesquisa e a programação até trabalhadores dos serviços administrativos ou de atendimento.
A ACERP, que tem o estatuto de organização social — uma associação privada sem fins lucrativos que é financiada pelo Estado para prestar serviços de interesse público — alega que o Governo Federal lhe deve 14 milhões de reais (cerca de 2,3 milhões de euros) e diz esperar conseguir reaver esse dinheiro para poder pagar os salários em atraso aos funcionários agora despedidos. E o director da ACERP, Francisco Câmpera, assegura ainda ter insistido com o secretário substituto do Audiovisual, Hélio Ferraz de Oliveira, para que o Governo federal mantivesse os funcionários ou os recontratasse, mas acrescenta, em declarações à imprensa brasileira, que não obteve “nenhum compromisso formal”.
O Ministério Público Federal (MPF) interpôs uma acção judicial contra o Governo Federal, procurando forçar uma renovação do contrato com a ACERP até ao final deste ano, para evitar o abandono da Cinemateca, mas a juíza federal responsável pelo processo recusou, argumentando que tinham sido adoptadas medidas de preservação do acervo, e que não cabia aos tribunais decidir com quem a administração pública devia celebrar contratos. O MPF já recorreu.
O actor Mário Frias, sucessor da actriz Regina Duarte na Secretaria Especial da Cultura — organismo que substituiu o Ministério da Cultura e é tutelado pelo Ministério do Turismo —, enviou no início do mês um ofício à ACERP, cujo mandato terminou em 2019, mas continuou a assegurar o funcionamento da Cinemateca, a pedir a entrega das chaves, o que veio a acontecer no passado dia 7, numa transferência de posse protagonizada pelo responsável interino do Audiovisual, Hélio Ferraz de Oliveira, que se deslocou à instituição escoltado pela polícia enquanto um grupo de manifestantes protestava à porta.
250 mil bobines
O Ministério do Turismo (MT) assegurou à imprensa que já viabilizara uma série de contratos para garantir a segurança e conservação do património da Cinemateca, que conserva 250 mil bobines de filmes e mais de um milhão de documentos relacionados com a história do cinema, e é considerado o maior arquivo de imagens em movimento da América latina.
O objectivo assumido do MT é encontrar outra entidade para gerir a Cinemateca, mas ninguém sabe quanto tempo poderá demorar esse processo. E até ao momento desconhece-se também se os funcionários agora dispensados, alguns deles na casa há muitos anos, e desempenhando funções muito especializadas, serão recontratados, ou como pensa o Governo federal assegurar uma transição responsável para eventuais novas equipas.
Um dos receios mais imediatos é também o de que esta situação possa aumentar os riscos de um acidente que resulte em destruição patrimonial grave, tanto mais que o historial da Cinemateca nesse domínio é particularmente infeliz, com quatro incêndios no cadastro, o último dos quais, em 2016, resultou na destruição de cerca de um milhar de bobines, sobretudo relativas a cine-jornais, mas que incluíam também as cópias originais de 17 curtas-metragens. E já em Fevereiro de 2020, mais de cem mil cópias em DVD ficaram danificadas, desta vez em resultado de umas cheias.
Enquanto se mantém este impasse, ignora-se também se a anunciada nomeação de Regina Duarte para dirigir a Cinemateca, prometida no final de Maio pelo próprio Bolsonaro, vai ou não concretizar-se, mas numa entrevista de Mário Frias à rádio Jovem Pan, no final de Julho, o secretário da Cultura sugere que pode estar a ser preparada uma nova solução institucional. “Existe a possibilidade de criarmos uma secretaria para que ela cuide da Cinemateca. É um pedido do Presidente, ele respeita muito ela, e eu também”, disse Frias, assegurando que “assim que esse imbróglio se resolver”, a actriz “terá o lugar de destaque dela na Cinemateca”.