O futuro em debate: o maior recurso de Portugal

Tirar partido da situação geoeconómica de Portugal será certamente mais trabalhoso que receber turistas. Contudo, se formos capazes de o fazer, as relações de dependência entre Estados poderão alterar-se.

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Paulo Pimenta

O ano de 2020 tem sido um único para a economia mundial. Ao contrário do que aconteceu durante a crise de 2008, em que a máquina económica descarrilou por problemas que se amontoavam de forma discreta no balanço dos bancos, empresa e famílias, no início deste ano tudo parecia sob controlo. Apesar de alguns riscos geopolíticos, de uma discutível bolha nos mercados mobiliários e de uma inflação que tardava em surgir, nos meses pré-covid, famílias, empresas e mercados bateram recordes de consumo, de vendas e de valor, numa conjuntura mundial que, em retrospectiva, vemos que era demasiado proveitosa para durar.

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O ano de 2020 tem sido um único para a economia mundial. Ao contrário do que aconteceu durante a crise de 2008, em que a máquina económica descarrilou por problemas que se amontoavam de forma discreta no balanço dos bancos, empresa e famílias, no início deste ano tudo parecia sob controlo. Apesar de alguns riscos geopolíticos, de uma discutível bolha nos mercados mobiliários e de uma inflação que tardava em surgir, nos meses pré-covid, famílias, empresas e mercados bateram recordes de consumo, de vendas e de valor, numa conjuntura mundial que, em retrospectiva, vemos que era demasiado proveitosa para durar.

Há apenas sete meses, o Fundo Monetário Internacional previa que a economia mundial crescesse 3,3% durante 2020, um valor superior ao registado no ano anterior e que pressupunha o amenizar da relação EUA-China, um “Brexit" com acordo e uma maior interligação do comércio mundial. Hoje essas previsões não podem estar mais longe da realidade.

A actual pandemia não trouxe apenas problemas sanitários e uma paragem momentânea da economia mundial. A presente situação expôs fraquezas e dependências, tanto de países como de empresas, a factores fora do seu controlo e que se revelaram serem fundamentais para a sua subsistência.

Inúmeras empresas foram e estão a ser afectadas por problemas nas suas cadeias de fornecimento e muitos países vêem uma parte significativa das suas economias contrair-se por estas dependerem do fluxo de dinheiro estrangeiro que era despendido dentro do seu território. A realidade é que, tanto empresas como países, eram – e continuam a ser – demasiado vulneráveis a factores por si não controláveis.

Neste último segmento encontra-se Portugal. Uma economia com um consumo privado fraco, que produz bens com baixo valor acrescentado e pouco competitivos no mercado global, mas que nos últimos anos foi alvo de uma enorme procura externa, nomeadamente nos sectores do turismo, do retalho e do imobiliário. 

A paragem abrupta provocada pela pandemia foi o catalisador para que governos por todo o mundo reflectissem sobre o posicionamento geopolítico e económico dos seus países e a forma como estes devem viver e gerar riqueza num futuro cada vez mais incerto e global.

No passado mês de Maio, o hub de Lisboa dos Global Shapers, a comunidade jovem do  World Economic Forum , conjuntamente com a plataforma 100 Oportunidades (um projecto que reúne cidadãos portugueses até aos 33 anos em várias áreas profissionais e de conhecimento), endereçaram ao primeiro-ministro e a mais de uma dezena de ministros do seu executivo com a tutela de 14 áreas-chave uma carta com 50 propostas de medidas a serem implementadas no day-after desta pandemia.

Nas três propostas apresentadas referentes ao sector da Indústria & Comércio, o foco incidiu sobre a liquidez das empresas, a competitividade e promoção de bens nacionais e a utilização das condições estruturais e geográficas do nosso país no panorama internacional.

Relativamente a este último ponto, é proposto que Portugal tire partido da sua posição geográfica nesta “nova década focando-se em tirar partido da outra mais-valia endógena”, que “é a sua condição geográfica única e consequente relação privilegiada com o mar”. Esta proposta encontra-se totalmente em linha com o Plano de Recuperação Económica e Social 2020-2030, elaborado pelo professor António Costa e Silva para o Governo português e publicamente apresentada em Julho de 2020.

Naquele, refere-se o seguinte: “Se olharmos para a geopolítica mundial, nós temos uma posição absolutamente extraordinária. O maior dos nossos recursos é o recurso geográfico e, como dizem muitos analistas de geopolítica, a geografia é a determinante primária do nosso destino. (…) O Atlântico vai ser uma das grandes vias marítimas do século XXI, 90% do comércio mundial faz-se por mar e com o alargamento do Canal do Panamá, temos aqui uma possibilidade imensa de mudar o estatuto e a trajectória do nosso país.”

De facto, esta é uma das verdadeiras riquezas de Portugal. Apesar de a recuperação económica no pós-crise da dívida soberana (2011-2014) ter sido alicerçada na utilização inteligente de outras características estruturais do nosso país (o clima, a segurança, o património histórico, entre outros), de modo a impulsionar a procura externa através de sectores como o do turismo e o do imobiliário, esta estratégia criou uma enorme dependência de indústrias que não contribuíram, na sua maioria, para aumentar a competitividade dos bens manufacturados em Portugal, nem para o aumento da produtividade da maioria das empresas portuguesas ou para o incremento do know-how técnico e científico dos nossos recursos humanos.

Cientes desta mais-valia ainda pouco explorada, é urgente implementar uma estratégia na qual se tire melhor partido da nossa posição geográfica como porta de entrada e de saída do mercado único, na qual se utilize a nossa enorme Zona Económica Exclusiva de maneira eficiente e se ponha em prática os conhecimentos adquiridos ao longo de séculos de tradição marítima.

Contudo, apesar da existência de sinais animadores, tanto por parte de entidades públicas, como privadas, o incremento da relevância de Portugal no panorama europeu da logística transatlântica e na ligação com o Extremo Oriente passará obrigatoriamente pelo investimento em novas infra-estruturas portuárias, no desenvolvimento de plataformas de conexão multimodais e na formação dos agentes e operadores económicos.

É importante sublinharmos que a aposta na relação com o mar não está apenas ao alcance de Estados ricos. Exemplo disso é a Grécia, que apesar da sua situação financeira (e enorme dependência do turismo), ainda conta com a maior frota de marinha mercante do mundo, representando mais de 20% da capacidade de arqueação bruta a nível mundial e mais de 50% de toda a capacidade europeia, isto fruto de um enorme dinamismo de determinada facção do seu sector privado.

Tirar partido da situação geoeconómica de Portugal será certamente mais trabalhoso que receber turistas. Contudo, se formos capazes de o fazer, as relações de dependência entre Estados poderão alterar-se e, no futuro, termos uma mão mais forte à mesa das negociações com os nossos parceiros europeus e atlânticos.