Tribunal argelino condena jornalista a três anos de prisão por cobrir protestos democráticos
Khaled Drareni noticiou os protestos do movimento Hirak, que abalaram o regime argelino, e foi condenado por pôr em “risco a unidade nacional”. Repórteres Sem Fronteiras criticam decisão “arbitrária e absurda” e alertam para a “deriva autoritária” no país.
Khaled Drareni, que se destacou pela sua cobertura noticiosa dos protestos anti-regime na Argélia, foi esta segunda-feira condenado a três anos de prisão e a uma multa de 50 mil dinares (329 euros) por pôr em “risco a unidade nacional” e “incitamento a ajuntamento desarmado”.
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Khaled Drareni, que se destacou pela sua cobertura noticiosa dos protestos anti-regime na Argélia, foi esta segunda-feira condenado a três anos de prisão e a uma multa de 50 mil dinares (329 euros) por pôr em “risco a unidade nacional” e “incitamento a ajuntamento desarmado”.
“Khaled Drareni estava apenas a fazer o seu trabalho de informar os cidadãos. Ele não cometeu nenhum crime”, reagiu um dos seus advogados, Fetta Sadat, à Associated Press pouco depois de conhecer o veredicto. Para a advogada, a decisão judicial “é prova de que a justiça argelina não é livre, mas um instrumento nas mãos do poder e que pode ser usada para intimidar os argelinos”, uma vez que a acusação “não tinha caso”.
THREAD Algerian justice has just sentenced journalist Khaled Drareni to three years in prison. This decision lifts hearts and minds with its arbitrary, absurd and violent nature. Khaled is @RSF_inter correspondent in #Algeria. #FreeKhaled #Freekhaleddrareni pic.twitter.com/F0UZ2TdCB7
— Christophe Deloire (@cdeloire) August 10, 2020
Durante o julgamento, realizado via videoconferência, por causa da pandemia, o director do Casbah Tribune e correspondente da TV5 Monde, de 40 anos, recusou sempre as acusações e reafirmou a sua inocência, argumentando estar simplesmente a desempenhar o seu trabalho e a exercer o direito a informar. Drareni foi detido pela polícia argelina a 29 de Março e os procuradores pediam uma pena de quatro anos e uma multa de 100 mil dinares (658 euros).
"Apenas fiz o meu trabalho como jornalista independente”, disse Drareni, citado no comunicado dos Repórteres Sem Fronteiras, que o têm apoiado.
Além do jornalista, os juízes condenaram a dois anos de prisão Slimane Hamitouche e Samir Benlarbi, dois activistas do movimento Hirak, que durante semanas ocupou as ruas contra o Presidente argelino Abdelaziz Bouteflika, levando à sua queda e, depois, a eleições presidenciais. O novo Presidente, Abdelmadjid Tebboune, foi eleito num sufrágio com apenas 40% de participação, porque activistas políticos e oposição boicotaram a eleição.
Os Repórteres Sem Fronteiras, com os quais Drareni trabalha, reagiram ao veredicto classificando-o como “arbitrário e absurdo”, chamaram-lhe “perseguição judicial contra um jornalista que é a honra do seu país” e alertaram para a “deriva para o autoritarismo na Argélia”.
E a Amnistia Internacional também não foi menos suave nas palavras. “A sentença do tribunal de hoje [segunda-feira] é uma justiça transvertida e uma clara afronta aos direitos humanos, inclusive ao da liberdade de expressão e de imprensa na Argélia. Khaled Drareni está a ser punido por simplesmente ter tido a coragem de expor a repressão das autoridades contra os direitos de liberdade de expressão e de reunião pacífica”, lê-se num comunicado da organização.
Mesmo com a saída de Bouteflika, que governou o país por 20 anos, os militares continuaram a dominar a política argelina e os críticos do regime sempre avisaram que a sua saída não seria suficiente para uma verdadeira transição democrática e que, mais cedo ou mais tarde, o regime iria fortalecer a repressão. E está a fazê-lo usando como justificação a pandemia de covid-19, prendendo jornalistas, activistas e quem critica o regime nas redes sociais, ao ponto das forças de segurança terem detido dezenas de activistas para interrogatório.
E os jornalistas, principalmente aqueles que se posicionaram de alguma forma ao lado dos manifestantes, cobrindo as suas acções, parecem ser os principais alvos. Na semana passada, o jornalista Moncef Ait Kaci, ex-correspondente da France 24, e o repórter de imagem Ramdane Rahmouni foram detidos durante 24 horas, até serem libertados na sequência de uma vaga de protestos e acusações de tentativa de intimidação. E o jornalista Abdelkrim Zeghileche foi novamente preso a 24 de Junho na cidade de Constantine.
Mas também já há condenações. A 14 de Julho, o jornalista Ali Djamel Toubel viu o seu pedido de recurso negado e a sua pena de 15 meses de prisão reafirmada, por ter transmitido imagens que mostravam polícias a agredir manifestantes. Caso que se junta ao do jornalista Belkacem Djir, do canal privado Echourouk News, ao ser condenado a três anos de prisão no âmbito de um trabalho de investigação.
A Argélia está na 146ª posição num total de 180 países no World Press Freedom Index de 2020, dos Repórteres Sem Fronteiras, cinco lugares mais abaixo que em 2019.