Ghosting: a arte dos desaparecidos sem combate

O ghosting é, para muitas pessoas, a forma mais fácil de terminar um relacionamento porque não obriga a expressar emoções e muito menos a lidar com as emoções da outra pessoa.

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Viver na era digital nem sempre é uma tarefa fácil ou perceptível. À velocidade da luz criam-se novos códigos, novas nomenclaturas, novos tags, novas tendências que rapidamente viralizam pelas fibras vivas das redes sociais, atropelando os mitos urbanos de toda uma vida. Quem nunca usou a expressão “foi comprar tabaco e nunca mais regressou"?

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Viver na era digital nem sempre é uma tarefa fácil ou perceptível. À velocidade da luz criam-se novos códigos, novas nomenclaturas, novos tags, novas tendências que rapidamente viralizam pelas fibras vivas das redes sociais, atropelando os mitos urbanos de toda uma vida. Quem nunca usou a expressão “foi comprar tabaco e nunca mais regressou"?

Pois é, este mito urbano, citado algumas vezes em distintos contextos das nossas vidas e que carrega uma nuvem de mistério, uma qualquer história cabeluda, tem nome e chama-se ghosting.

O termo remete para uma situação na qual a pessoa com quem se mantinha uma relação, fosse ela de amizade, um namoro de curta ou longa data ou um casamento, desaparece do dia para a noite sem deixar rasto, nem explicações, tornando-se assim num fantasma. E bem sabemos que um bom fantasma não responde a mensagens, a chamadas, nem a qualquer tipo de contacto da outra pessoa que é apanhada completamente de surpresa nesta espiral de crueldade emocional.

No fundo, o ghosting é a arte de desaparecer de uma relação sem deixar rasto, sem combate nem diálogo, ainda que hoje, muito por causa das redes sociais e da Internet, este súbito desaparecimento se torne quase anedótico, o que infelizmente não ajuda em nada as vítimas de ghosting, abandonadas num limbo emocional cheio de perguntas sem respostas.

Este termo ganhou vida no Urban Dictionary em 2006, tendo sido escolhido em 2015 pelo Dicionário Britânico Collins como uma das palavras daquele ano.

O fenómeno tem crescido por causa da crescente utilização das redes sociais, da Internet e das aplicações de encontros como via para travar conhecimentos afectivos com novas pessoas nesta sociedade instantânea, superficial e “fast-tudo”, na qual as relações terminam muitas vezes antes de começarem, sendo assim relativamente fácil descartar outros seres humanos.

Enfrentar dificuldades, compreender o outro, aprofundar vínculos afectivos parecem ser caminhos que provocam alergia a muitos seres humanos dos nossos dias. São homens e mulheres, que preferem fazer refresh nas relações afectivas ao invés de perder tempo nos caminhos do diálogo e do aprofundamento amoroso, caminhos essenciais para o estabelecimento de vínculos afectivos estáveis, prazerosos e duradouros. O ghosting é uma prática que os especialistas associam a pessoas indecisas, inseguras e com rasgos de personalidade profundamente narcisistas.

Sherry Turkler, professora no MIT, referiu numa entrevista ao Huffington Post que este comportamento é algo quase único e exclusivo do mundo online, porque com as novas tecnologias criamos o hábito de nos livrarmos das outras pessoas, simplesmente não lhes respondendo. E isso tem sido normalizado no seio dos adolescentes que crescem com a ideia que é possível enviar uma mensagem e não obter qualquer resposta, bem como estabelecer a situação oposta, sem problema algum com isso. Desta forma, quebram-se silenciosamente os trilhos da empatia, do respeito, da humanidade entre seres humanos, situação que nos deve preocupar e muito.

O ghosting é, para muitas pessoas, a forma mais fácil de terminar um relacionamento porque não obriga a expressar emoções e muito menos a lidar com as emoções da outra pessoa. As pessoas que praticam ghosting fogem do confronto a todo o custo, optando por este trilho egoísta, cujo retorno bem poderá vir a ser, mais tarde, a vergonha e a culpa ou, em última instância, a lei do eterno retorno, passando num novo relacionamento de fantasmas a vítimas.

Estes fantasmas afectivos, ao desaparecerem desta forma, penduram os outros num longo processo de limbo emocional que pode durar anos ou uma vida inteira a sarar, dependendo, obviamente, do tipo de relacionamento preexistente.

Pelo caminho, a vítima deste síndrome do abandono inesperado perde a auto-estima e cria uma série de muros e obstáculos perante a possibilidade de estabelecimento de novas relações amorosas. Isto para não falar na tortura que é para todo o ser humano não existir uma via de acesso para responder às suas perguntas, culminando todo o processo numa elipse de dúvidas cuja resposta mais comum termina na errada autoculpabilização.

Este tema acaba por ter tanto de aparentemente fútil como de curioso e assustador, dependendo da experiência de cada um ou das histórias que nos vão chegando das distintas faixas etárias com as quais convivemos. Aceitável ou inaceitável, talvez seja uma oportunidade para as vítimas ou uma qualquer bênção divina para alguém se livrar de uma pessoa que claramente não vale a pena ter por perto. Como diz o ditado, só faz falta quem está...

Ao que parece, no presente e no futuro, a cara oposta da relação amor-ódio está a ser substituída pela indiferença. Essa indiferença que nos vai fazendo cada vez menos humanos, menos plásticos, menos empáticos.