Marcelo expôs o logro da descentralização
A eleição dos presidentes das CCDR serve para conservar as ineficiências, as volubilidades, os interesses opacos e os labirintos burocráticos do Estado mais centralizado da Europa, um anacronismo num país que luta por uma sociedade e uma economia contemporâneas.
Se havia dúvidas sobre a natureza centralista das eleições indirectas dos presidentes das comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR), o Presidente da República enterrou-as. Na promulgação do diploma que introduz estas mudanças, Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou que será o Governo a nomear o presidente e um dos “vices” das CCDR (para lá de os poder demitir), e avisou que a natureza jurídica das comissões continua a amarrá-las à administração desconcentrada do Estado. O que quer isto dizer? Apenas que a eleição indirecta é um simulacro de descentralização. No essencial, as últimas palavras sobre quem são, o que fazem ou o que podem fazer os novos eleitos continuarão a ser do Governo central.
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Se havia dúvidas sobre a natureza centralista das eleições indirectas dos presidentes das comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR), o Presidente da República enterrou-as. Na promulgação do diploma que introduz estas mudanças, Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou que será o Governo a nomear o presidente e um dos “vices” das CCDR (para lá de os poder demitir), e avisou que a natureza jurídica das comissões continua a amarrá-las à administração desconcentrada do Estado. O que quer isto dizer? Apenas que a eleição indirecta é um simulacro de descentralização. No essencial, as últimas palavras sobre quem são, o que fazem ou o que podem fazer os novos eleitos continuarão a ser do Governo central.
Pergunta-se, então, para que serve esta farsa que o Governo usa desde a anterior legislatura para fazer prova e fé do seu espírito descentralizador. Não serve para nada que tenha que ver com um país mais coeso, mais capaz de desenhar políticas à escala regional ou mais democrático por conceder aos cidadãos das regiões o poder de escolha sobre quem os representa. Serve sim para conservar as ineficiências, as volubilidades, os interesses opacos e os labirintos burocráticos do Estado mais centralizado da Europa, um anacronismo num país que luta por uma sociedade e uma economia contemporâneas. E serve também para que o PS e o PSD continuem a distribuir “jobs” para os seus “boys” nas regiões.
A facilidade com que o confessadamente anti-regionalista Marcelo Rebelo de Sousa promulgou o diploma é um sinal de vitória dos que permanecem iludidos com os perigos da regionalização e uma derrota para os que continuam a olhar a organização dos Estados europeus como um modelo a seguir. Com ou sem eleição indirecta, o presidente das CCDR será sempre um agente dos autarcas e do Governo. Jamais será capaz de ter autonomia política para defender políticas que os afrontem. As ineficiências e os custos de um modelo que sobrevive protegido pelo papão da unidade nacional ou dos tachos para os políticos não mudam.
Antes deste passo em falso, o PS e o PSD concordaram em nomear uma comissão de sábios para desenhar o futuro da descentralização. Num trabalho extenso e rigoroso, essa comissão apontou a regionalização administrativa. Mas nem os recentes exemplos da falta de articulação regional no combate à covid-19 nem o facto de António Costa e de Rui Rio subscreverem as suas conclusões foram capazes de os mobilizar num acto de coragem em favor das suas convicções. Estamos condenados a viver num país onde os interesses ou os recursos de Alcoitão ou de Vinhais continuam a ter de passar por Lisboa. O conservadorismo impôs-se uma vez mais à racionalidade.