Procura crescente pode ajudar “a salvar o Verão do interior”

A preferência dos portugueses por territórios que possibilitam um contacto mais próximo com a natureza tem marcado o primeiro Verão depois do confinamento motivado pela covid-19. No entanto, esta tendência tem gerado dúvidas devido ao seu impacto ambiental.

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Nuno Ferreira Santos

É um Verão atípico aquele que os portugueses vivem actualmente. A ameaça de um vírus que já matou mais de 700 mil pessoas em todo o mundo obrigou a mudanças de hábitos e comportamentos de uma forma generalizada, o que se repercute também nos destinos de férias escolhidos. Em oposição às tradicionalmente favoritas estâncias balneares do litoral, o campo e os espaços rurais têm merecido a preferência de muitos portugueses, que, acedendo aos apelos das autoridades nacionais, encontram nestes territórios um refúgio alheio aos grandes aglomerados de gente.

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É um Verão atípico aquele que os portugueses vivem actualmente. A ameaça de um vírus que já matou mais de 700 mil pessoas em todo o mundo obrigou a mudanças de hábitos e comportamentos de uma forma generalizada, o que se repercute também nos destinos de férias escolhidos. Em oposição às tradicionalmente favoritas estâncias balneares do litoral, o campo e os espaços rurais têm merecido a preferência de muitos portugueses, que, acedendo aos apelos das autoridades nacionais, encontram nestes territórios um refúgio alheio aos grandes aglomerados de gente.

A tendência é atestada por António Condé Pinto, presidente da Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo, que, em declarações ao PÚBLICO, confirmou uma “procura crescente e muito próxima do expectável”, sobretudo do “mercado interno”, “por “unidades de turismo rural e do interior do país”. Uma preferência que, segundo o dirigente, ajudará “a salvar o Verão do interior, ao contrário do que acontece nas cidades”. Apoiadas na experiência de décadas, estas unidades, defende António Condé Pinto, estão “preparadas” para responder à procura e, simultaneamente, impulsionar a regeneração económica do sector do turismo enquanto “montras de vendas de produtos locais”.

A “inversão total” do paradigma de mobilidade é também confirmada pela Associação Portuguesa de Turismo em Espaços Rurais e Naturais (APTERN), que destaca a opção dos portugueses por lugares “mais protegidos” e que aportam, consequentemente, um maior sentimento de “segurança” a quem os procura. Segundo Jorge Santos, presidente da APTERN, territórios como Pampilhosa da Serra, Oleiros, Proença-a-Nova, Sertã, Vila de Rei e Mação correspondem particularmente às exigências de um público acabado de sair de um confinamento “exigente”. De acordo com feedback que a APTERN tem recebido, as taxas de ocupação encontram-se em níveis “muito satisfatórios” até ao final de Setembro.

Neste âmbito, o campismo e o autocaravanismo assumiram-se igualmente como uma aposta ganhadora. A Indie Campers, empresa portuguesa que promove o aluguer de autocaravanas em 15 países europeus, confirmou ao PÚBLICO a procura crescente pelos seus serviços “a partir de meados de Maio”, depois de meses marcados por “quedas abruptas das vendas”. “Foi um progresso bastante rápido, no que diz respeito a todas as formas de turismo que promovem um contacto maior com a natureza e a tudo o que é turismo mais próximo do interior”. A oportunidade, segundo Miguel Fraga (do departamento de marketing da empresa), foi especialmente aproveitada pela Indie Campers, que fez uso da conjuntura para promover e afirmar o papel do autocaravanismo enquanto um dos “modos primordiais de turismo e não como algo alternativo”.

Numa breve análise aos números relativos aos últimos três meses, a Indie Campers notou um crescimento exponencial de turistas domésticos nos vários países em que opera – em Portugal, os números de Junho e Julho mostram uma “subida de 400%” face ao período homólogo de 2019 –, mas também nos new campers, viajantes que experimentam o autocaravanismo pela primeira vez. É ainda possível encontrar novidades no que diz respeito ao perfil dos viajantes, já que o leque de idades se tornou “mais ecléctico”, incluindo “pessoas mais velhas, que inicialmente poderiam olhar para esta forma de turismo com alguma desconfiança”.

No entanto, este súbito e crescente padrão de mobilidade, em áreas que normalmente se caracterizam pelo despovoamento, tem levantado várias questões relacionadas com a poluição e o aumento dos comportamentos de risco em zonas florestais.

Durante o debate online “A floresta e o fogo nos tempos da pandemia”, promovido pela plataforma ForestWise, Tiago Oliveira, presidente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), alertou para a “maior apetência das pessoas para viverem no espaço rural”, o que resulta numa maior exposição de “cidadãos não preparados para estar num ambiente mais agressivo e exposto a incêndios”. Neste sentido, e em parceria com o Turismo de Portugal, a AGIF elaborou um “conjunto de manuais com procedimentos” e “boas práticas” para que, em caso de incêndio, “as pessoas estejam preparadas”.

Na vertente ambiental, a Quercus destaca os “impactos negativos” que podem resultar da “massificação turística ou utilização mássica das áreas turísticas”, tais como “a perda de valores culturais tradicionais”, “o conflito social entre turistas e comunidades locais”, “a especulação sobre territórios e imóveis” e a “descaracterização da paisagem” – este último com implicações no aumento da “poluição de água, solos e atmosfera”. A título de exemplo, a associação ambiental apresenta o caso dos passadiços do Paiva, que desde a inauguração se têm afirmado como uma das principais atracções turísticas da zona Centro.

Como tal, Paula Nunes da Silva, da Quercus, defende que o momento deve ser aproveitado para “trabalhar a sustentabilidade e corrigir erros”. Em linha com os estudos de mercado realizados antes da crise sanitária, que demonstravam a preferência dos consumidores (cada vez “mais críticos, objectivos, selectivos e exigentes”) por “segmentos e serviços turísticos que protegem o meio ambiente e respeitam as culturas locais”, a solução deve passar por “um turismo sustentável em espaço natural, rural e urbano, numa abordagem sistematizada”.

Segundo a representante da associação ambientalista, “há um caminho urgente” a ser percorrido por qualquer agente envolvido no sector do turismo antes de se intitular “sustentável” e que deve passar por “cumprir mais do que um padrão ou uma norma técnica ambiental ou medir “a pegada ambiental”. Considera, por isso, que o processo de recuperação económica, nomeadamente na área do turismo, deverá obedecer a um “efectivo compromisso ecológico”, de forma a promover a regeneração dos “ecossistemas e a sustentabilidade”.