Kim intensifica combate à covid-19 entre suspeitas sobre o número real de casos
Regime norte-coreano reforça medidas de isolamento social e canaliza apoios urgentes para a cidade fronteiriça de Kaesong, em quarentena há duas semanas. Segundo as autoridades, só há um caso suspeito de infecção.
Kim Jong-un, Líder Supremo da Coreia do Norte, não se tem cansado de repetir, através dos órgãos de propaganda estatais, que o país “travou a invasão do vírus maligno”. Mas o reforço cada vez mais significativo das medidas de combate à covid-19 e a canalização urgente de material médico e de alimentos para a cidade fronteiriça de Kaesong, em quarentena há duas semanas, parecem sugerir o contrário.
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Kim Jong-un, Líder Supremo da Coreia do Norte, não se tem cansado de repetir, através dos órgãos de propaganda estatais, que o país “travou a invasão do vírus maligno”. Mas o reforço cada vez mais significativo das medidas de combate à covid-19 e a canalização urgente de material médico e de alimentos para a cidade fronteiriça de Kaesong, em quarentena há duas semanas, parecem sugerir o contrário.
A agência norte-coreana KCNA noticiou esta quinta-feira que o Comité Central do Partido dos Trabalhadores “discutiu e aprovou” o “fornecimento extraordinário de comida e de fundos” à cidade – próxima da fronteira com a Coreia do Sul –, para “estabilizar o sustento dos seus cidadãos”.
Entre as ajudas contam-se cerca de “550 mil itens” de material médico, para além da mobilização de mais profissionais de saúde, escreve a agência Yonhap, da Coreia do Sul, citando os meios de comunicação do vizinho a Norte.
Com cerca de 300 mil habitantes, Kaesong está em quarentena total desde o dia 24 do mês passado, depois de ter sido ali identificado o que se julga ser primeiro caso suspeito de infecção pelo coronavírus, levando o regime a anunciar a entrada em vigor de um “sistema de emergência máximo”.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), as fronteiras da Coreia do Norte estão fechadas, o uso de máscara protectora é obrigatório em espaços públicos, estão proibidos quaisquer ajuntamentos e as escolas estão encerradas.
Informação duvidosa
Fechado em si mesmo há várias décadas, o país asiático não permite qualquer escrutínio estrangeiro sobre o que passa dentro das suas fronteiras, o que torna praticamente impossível fazer estimativas sobre o potencial número de infectados pelo vírus.
Num email enviado à Associated Press, Edwin Salvador, representante da OMS para a Coreia do Norte, revelou que o país de Kim Jong-un informou a organização de que decretou quarentena obrigatória para quase 26 mil pessoas desde Dezembro do ano passado.
A grande maioria dos observadores e analistas internacionais duvida, no entanto, que só haja um caso suspeito na Coreia do Norte, como sugerem as autoridades norte-coreanas.
Não só pelo passado de ocultação de surtos e epidemias do regime, mas pelas características da sua relação e proximidade com a China, onde o coronavírus surgiu e se multiplicou. A fronteira entre os dois países é longa e permeável e a China é o principal aliado e parceiro comercial da Coreia do Norte.
“Ainda que um enorme surto a nível local possa não ter acontecido, é muito provável que haja um número considerável de pessoas infectadas”, diz à Associated Press o analista Hong Min, do Instituto para a Unificação Nacional, em Seul.
“Mesmo que a Coreia do Norte se feche, deve haver casos suspeitos e as autoridades têm de os diagnosticar de forma agressiva. Mas o regime nunca foi transparente sobre se tem sequer capacidade para o fazer”, acrescenta o sul-coreano.
Teme-se catástrofe
Fortemente limitada pelas sanções económicas internacionais – impostas, em grande medida, por causa do seu programa nuclear e balístico clandestino –, a Coreia do Norte apresenta níveis de pobreza e de subnutrição crónica da sua população, em várias das regiões do país.
Somando a esse cenário a escassez de medicamentos e de bens de primeira necessidade e as enormes falhas sanitárias, teme-se que um surto de grandes dimensões do novo coronavírus possa propiciar uma catástrofe humanitária de proporções incalculáveis.
“Sete meses volvidos do encerramento da fronteira, a situação económica e sanitária da Coreia do Norte parece estar a atingir níveis perigosamente baixos”, escreve a investigadora Gabriela Bernal, da Universidade de Estudos da Coreia do Norte (Seul), na revista Diplomat.
“Estando a enfrentar problemas vindos de todas as direcções possíveis, as decisões que Pyongyang tomar ao longo das próximas semanas podem ser cruciais para se perceberem qual a melhor forma de puxar o país do buraco negro onde se encontra”, considera Bernal.
Mudança de planos?
A divulgação da decisão tomada pelo Comité Central do partido único em relação a Kaesong, por parte da KCNA, pode muito bem ser consequência de uma nova abordagem de Kim na gestão da informação sobre a pandemia, depois de meses de segredos, admite Yang Moo-jin, professor na mesma instituição de Bernal.
A ser verdade, poderá ser uma confirmação de que a situação epidemiológica na Coreia do Norte é mais grave do que aquilo que o regime tem noticiado, para dentro e fora de portas, e que o país necessitará de ajuda num futuro próximo.
“Não acho que [Kim] esteja a estender a mão à Coreia do Sul, em busca do restabelecimento imediato da cooperação inter-Coreias” diz o académico à Yonhap. “Mas acredito que estão a começar a expor a situação real no país, para abrir espaço para a cooperação humanitária no futuro”.