Abalos tectónicos da covid
Digital, economia e Europa: eis três das consequências mais claras da actual crise sanitária no setor da saúde.
A covid-19 deixou pessoas, países, ciência e economias em choque. Em seis meses, esta pandemia infetou mais de 16 milhões de pessoas, provocou perto de 660 mil mortes e, todos os dias, faz-nos olhar com ansiedade para as notícias sobre a evolução das potenciais vacinas e dos ensaios com os mais diversos medicamentos.
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A covid-19 deixou pessoas, países, ciência e economias em choque. Em seis meses, esta pandemia infetou mais de 16 milhões de pessoas, provocou perto de 660 mil mortes e, todos os dias, faz-nos olhar com ansiedade para as notícias sobre a evolução das potenciais vacinas e dos ensaios com os mais diversos medicamentos.
Esta crise sanitária alterou radicalmente a forma como vivemos o primeiro semestre e continua a gerar muitas incógnitas sobre o futuro, mas algumas lições já são observáveis. Vejamos três das consequências mais claras no setor da saúde.
Face aos constrangimentos existentes e aos recursos identificados, é hoje uma evidência que o digital permitiu mitigar alguns dos efeitos do confinamento e avançar definitivamente para a sua adoção em diversos domínios. Podemos falar numa verdadeira revolução digital na saúde, tão diversas são as áreas e profundas as implicações que pode ter na obtenção dos melhores resultados em saúde para os cidadãos.
As potencialidades do digital vão das teleconsultas e a monitorização domiciliária até aos avanços em termos de recolha e gestão de dados (registos nacionais de doenças e terapêuticas associadas, registo de saúde eletrónico, plano integrado para as doenças crónicas), à integração online de serviços e às aplicações de diagnóstico e terapêutica.
A segunda consequência evidente para todos é a da importância da saúde para a economia. Da forma literalmente mais dolorosa, todo o mundo percebeu que sem saúde não há economia e que a saúde é um pilar básico e essencial do desenvolvimento. Na atual conjuntura, a saúde é também (finalmente) entendida como uma alavanca da recuperação (em à parte, note-se que o relatório do Eng.º Costa Silva tem 88 referências à saúde). O setor económico da saúde é não só relevante para garantir a soberania estratégica, mas também como polo de desenvolvimento. A Saúde é um fator de atração de investimento direto estrangeiro e de reforço da capacidade produtiva nacional, é um setor de ligação privilegiada entre os centros de conhecimento e a indústria, tem capacidade de gerar empregos qualificados e é um setor de ponta em termos de inovação e de empreendedorismo.
Uma terceira implicação deste momento de crise sistémica e que, porventura, ainda não foi totalmente assimilado em Portugal, é a consciência da importância de (re)equacionar a Saúde em termos europeus. Desde bastante cedo se discutiu a questão das reservas estratégicas de medicamentos, de EPI's e de ventiladores, mas, entretanto, o Parlamento Europeu já aspira a uma “União Europeia da Saúde” na resolução aprovada no passado dia 10 de julho. Esta posição foi, aliás, também partilhada pela comissária europeia da Saúde. (Curiosamente, há dez anos, sob presidência portuguesa, a União Europeia de Hospitalização Privada já havia identificado essa prioridade: Mais Europa na Saúde, Mais Saúde na Europa.)
Para além de uma estratégia farmacêutica europeia (produção de princípios ativos e de medicamentos, garantia de fornecimento e de acesso) e da defesa da criação de um espaço europeu de dados relativos à saúde, o apelo político vai no sentido de garantir que, independentemente das opções sobre sistemas, os europeus têm acesso aos cuidados de saúde adequados.
Não há dúvida que a prioridade à saúde vai ter uma leitura europeia. Sem colocar em causa os Tratados e a competência dos Estados-membros, percebe-se que a cidadania europeia significa também um padrão de acesso aos bens e serviços de saúde.
Na sua resolução, o Parlamento Europeu defende, entre outros, o adequado financiamento dos sistemas de saúde, a inclusão de indicadores em matéria de bem-estar nas recomendações específicas por país no âmbito do Semestre Europeu e a criação de uma diretiva sobre normas mínimas para cuidados de saúde de qualidade.
Em jeito de conclusão, perspetiva-se que os cidadãos de Portugal, como dos outros países da UE, possam ganhar em termos de acesso (leia-se redução de listas de espera, entrada mais célere da inovação, mais meios de prevenção da doença, etc.), ao mesmo tempo em que se procuram formas mais adequadas para a eficiência e sustentabilidade do sistema, em prol dos ganhos em saúde para as pessoas e uma correta valorização dos profissionais de saúde.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico