Mapeamento público de risco de covid-19: uma prioridade nacional
Temos aspectos mais e menos positivos na resposta de Portugal à covid-19. Um que continua a falhar: informação útil de risco de infecção local para o cidadão comum.
Cumprem-se cinco meses do primeiro caso de covid-19 em Portugal no dia 2 de Agosto. Desde então, muito mudou. Naturalmente temos aspectos mais e menos positivos na resposta de Portugal à covid-19. Um que continua a falhar: informação útil de risco de infecção local para o cidadão comum.
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Cumprem-se cinco meses do primeiro caso de covid-19 em Portugal no dia 2 de Agosto. Desde então, muito mudou. Naturalmente temos aspectos mais e menos positivos na resposta de Portugal à covid-19. Um que continua a falhar: informação útil de risco de infecção local para o cidadão comum.
Mapas de casos acumulados como o disponibilizado pelas entidades públicas não servem para informação e ajuste de atitudes do cidadão comum. Uma equipa de investigadores do CERENA do Instituto Superior Técnico pegou na informação disponibilizada publicamente pela DGS e desenvolveu um mapeamento do risco de infecção e incerteza associada tendo em conta a dimensão da população de cada concelho.
Através desta ferramenta, nos primeiros três meses da pandemia após o aparecimento do primeiro caso de covid-19 em Portugal foram gerados mapas diários do risco de infecção através do número de casos acumulados por concelho. Esta foi uma ferramenta mais relevante no início da pandemia, mas que é manifestamente insuficiente nesta fase. O número de casos acumulados não reflecte o comportamento espacial da doença (identificação de pontos quentes e frios). Para que estes mapas sejam novamente uma ferramenta útil para a gestão de recursos, para a tomada de decisão e sirvam para comunicar o risco às populações seria necessário aceder a dados diários (ou quase diários) de qualidade e com o número de casos activos (data de primeiros sintomas e recuperação) por freguesia. Esta é uma informação que existe mas que não é pública e que é de difícil acesso às instituições académicas.
Sem essa informação, o mapeamento enferma das limitações dos dados divulgados publicamente: sem datas de sintomas, com desagregação geográfica divulgada semanalmente e com algumas lacunas importantes. De outro prisma, cidadãos voluntariamente pegam nos dados públicos e tentam expô-los de forma mais intuitiva nas redes e/ou através de sites construídos para o efeito. Uma vez mais, estas iniciativas são louváveis mas estão limitadas pela qualidade de dados a que têm acesso.
Precisamos urgentemente de uma nova abordagem na comunicação de risco covid. Como já desenvolvido noutros países e já relatado por cá, é desejável, e de acordo com a boa prática de comunicação, maior transparência em indicadores operacionais (por exemplo: % de casos sem link epidemiológico, % de casos identificados já em isolamento, % de casos com tentativa de contacto em 24 horas), mas também, e sobretudo, um mapa de risco de municípios para que qualquer cidadão no país possa ter uma ideia da realidade local.
Assiste aqui uma cautela de protecção de dados e surge a necessidade de não divulgar pequenos números de casos por município de forma regular, dada a potencial quebra de confidencialidade. No entanto, isto pode ser ultrapassado pelo estabelecimento de um conjunto de critérios que se traduzam numa escala cromática simples que permitam a tomada de decisão. A cada classificação deveria estar associada um conjunto de medidas que poderiam ser cooptadas de acordo com a realidade local. Mais, a isto dever-se-ia somar um pequeno espaço informativo diário nas rádios numa lógica de “boletim meteorológico” covid. Adicionalmente, o actual critério de associação geográfica decorre da residência do caso quando o risco de infecção pode estar deslocado da mesma: uma razão para optar por alguma flexibilidade da definição de risco para além do número de casos atribuídos por residência.
Aproxima-se um momento especialmente delicado de gestão: a abertura generalizada das escolas. Será muito mais difícil tomar decisões se todos nós não tivermos uma medida de risco disponibilizada publicamente e em função da qual se possa determinar a melhor orientação a dar a casos suspeitos de infecção. Temos um mês e pouco para fazer a diferença.
Boas decisões exigem boas informações. Isto é verdade não só para quem coordena a resposta à pandemia a nível nacional, regional ou local mas também para o cidadão comum. Informação útil e oportuna faz com que o público possa avaliar os riscos e fazer escolhas informadas e responsáveis.
Vivemos tempos sem precedentes, numa pandemia em que a tecnologia está a ser usada em escala naturalmente nunca antes vista. Deveríamos tirar proveito da facilidade e rapidez com que hoje se comunica e disponibilizar informações úteis às várias gerações da população portuguesa, usando todos os recursos disponíveis.
A comunicação adequada de risco pode ajudar a desbloquear muitas decisões e o que todos queremos evitar: exageros na resposta e também, simultaneamente, mais casos, mais internamentos e até óbitos pela doença.
Bernardo Mateiro Gomes, Médico de Saúde Pública, docente na FMUP
José da Silva, Estudante de Ciências Farmacêuticas e autor do site COVID-19 by Crossroads
Leonardo Azevedo, Investigador do CERENA e Professor do IST
Nuno Silva, Investigador Auxiliar do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS) da Universidade do Minho