Grande explosão surpreende Beirute e mata dezenas de pessoas
Uma enorme nuvem elevou-se nos céus de Beirute por causa da explosão, que abalou toda a cidade e fez pelo menos 78 mortos e mais de 3700 feridos.
Mesmo depois de 15 anos e meio de guerra civil, duas guerras com Israel, e outros ataques e assassínios, o que aconteceu esta terça-feira na capital libanesa “era impossível de imaginar”, disse Nasser Yassin, da Universidade Americana de Beirute, à Al-Jazeera.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Mesmo depois de 15 anos e meio de guerra civil, duas guerras com Israel, e outros ataques e assassínios, o que aconteceu esta terça-feira na capital libanesa “era impossível de imaginar”, disse Nasser Yassin, da Universidade Americana de Beirute, à Al-Jazeera.
Morreram pelo menos 78 pessoas e mais de 3700 ficaram feridas, numa explosão de origem indeterminada que atingiu todo o porto de Beirute, deixando uma enorme devastação não só no local como em casas no centro e arredores. Yassin estava a cerca de 25 quilómetros da explosão, e conta que a sentiu como se fosse perto.
O chefe da segurança geral do Líbano disse que a explosão terá resultado de material altamente explosivo guardado num armazém no porto de Beirute. As primeiras informações apontavam para uma explosão de um armazém de fogos de artifício, que estariam ilegalmente no local há vários anos; mais tarde, também à Al-Jazeera, o ministro do Interior explicou que no armazém poderia estar guardado um componente de fertilizante, nitrato de sódio.
Sami Nader, do Instituto de Estudos Estratégicos do Levante, confessou à Al-Jazeera que não se recorda de uma explosão semelhante: “nem na guerra civil”, entre 1975 e 1990. A jornalista Zeina Khodr, da emissora pan-árabe, diz que muitas pessoas da cidade já viveram bombardeamentos, atentados, assassínios, e tiveram o mesmo pensamento: “Vai acontecer de novo.”
Na bem oleada máquina de rumores do país, um potencial autor andou imediatamente nas bocas de todos, pegando num mal-entendido: uma mensagem do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu deixando um aviso ao movimento xiita libanês Hezbollah, foi levado como sendo a propósito do que aconteceu no porto. Netanyahu falava, no entanto, após um ataque israelita a forças do Hezbollah na Síria (onde estão envolvidas no apoio ao regime de Bashar al-Assad). Um responsável israelita não tardou a dizer, sob anonimato, à Reuters, que o país não tinha “nada a ver com o incidente” do porto de Beirute e o ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel (e antigo chefe militar) Gabi Ashkenazi comentou que se teria tratado provavelmente de um acidente causado por um incêndio.
No Twitter, o analista do Center for Strategic and International Studies (EUA) Brian Katz lembrava “a velha regra de análise militar quando algo explode inesperadamente: nunca responsabilizar primeiro um poder militar estrangeiro por algo que possa ser explicado por ineptidão burocrática interna”.
O que quer que tenha acontecido teve lugar num momento especialmente difícil para o país, que enfrenta uma gravíssima crise económica, com uma enorme inflação e desvalorização da moeda, desemprego e bancarrotas, a que se tem somado a pandemia de covid-19. A explosão aconteceu à hora de ponta, quando havia muita gente na rua, no primeiro dia de desconfinamento após cinco dias de restrições por causa do aumento de casos de infecção pelo novo coronavírus, e quando se preparava um novo desconfinamento a começar já nesta quinta-feira.
O país tem visto ainda um enorme movimento de contestação ao Governo, com especial foco na corrupção.
O porto, que ficou num estado de destruição que o deixa inutilizado, é vital para economia do país e uma grande fonte de rendimento, aponta Nasser Yassim, da Universidade Americana. E se houve, como apontavam algumas fontes à Al-Jazeera, negligência ou corrupção das autoridades que tenham levado à explosão, é difícil de prever o efeito na confiança, que já está num nível baixíssimo, que os cidadãos têm nas autoridades.
“As pessoas não sabem como lidar com isto, já têm de lidar com tantas coisas, com a crise. A minha casa explodiu, consegui encontrar o meu telefone”, disse uma testemunha à Al-Jazeera. “É um caos completo. Estou chocada por estar viva!”
Jornalistas e analistas esforçavam-se para explicar que tudo isto acontece quando o país já estava numa situação terrível. Yassim lembra como é habitual dizer-se que os libaneses são resilientes, depois de toda a violência extrema da guerra civil, dos assassínios, e ainda as duas invasões de Israel, mas “o que está a acontecer é devastador a todos os níveis: há pessoas a perder 60% a 80% dos seus salários, há uma nova vaga de coronavírus”, enumera. Zeina Khodr diz ainda que os hospitais não têm recebido pagamentos do Governo, que está na bancarrota, e que o sistema estava já a deparar-se com enormes dificuldades para dar resposta aos casos de covid-19.
Alguns hospitais foram ainda afectados pela explosão, e estavam eles próprios a ser evacuados, descreve a jornalista da Al-Jazeera. Havia pessoas a ser tratadas em parques de estacionamento, e apelos a doações de sangue: muitos dos feridos sofreram cortes com estilhaços de vidros de carros ou janelas, porque houve janelas quebradas em locais a vários quilómetros de distância do porto.
O país atravessa ainda dias de especial tensão, quando se esperava para sexta-feira o veredicto do Tribunal Internacional de Justiça sobre o assassínio do antigo primeiro-ministro Rafiq Hariri. O crime, em 2005, foi levado a cabo por um bombista suicida num carro armadilhado e a explosão, que matou outras 22 pessoas e deixou uma cratera com dez metros de diâmetro e dois de profundidade, foi sentida bem além do local do crime.