É mentira, Portugal nunca mandou matar pretos, nunca
Este é o nosso Portugal que há quarenta e seis anos metralhava os pretos dos restos do nosso Império. Quem pode atrever-se a dizer que neste país há racismo? Quantas armas desse tempo estão prontas para matar pretos que eram os seus destinatários, mesmo que enviesadas matem brancos?
Quando os regedores das freguesias de todo o país arregimentaram as populações para irem ao Terreiro do Paço apoiarem Salazar para dar início à guerra colonial contra o povo angolano, uma nova e desastrosa realidade começou a nascer e a tomar conta da juventude, a da guerra colonial.
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Quando os regedores das freguesias de todo o país arregimentaram as populações para irem ao Terreiro do Paço apoiarem Salazar para dar início à guerra colonial contra o povo angolano, uma nova e desastrosa realidade começou a nascer e a tomar conta da juventude, a da guerra colonial.
Foram os homens com garrafões de vinho pagos e merenda melhorada. Foram mal sabendo ao que iam. A maior parte não sabia sequer onde era Lisboa, quanto mais Nambuangongo, ou Cabinda, ou Maiombe, ou mesmo Angola. Disseram-lhes que iam salvar a pátria dos terroristas que esventraram à catanada mulheres e crianças no Norte de Angola. Os pretos de Angola eram portugueses de gema e tinham de voltar à portugalidade à base da metralha e do terror, mesmo que o não quisessem ser e à distância de sete mil quilómetros.
Alguns dos que regressaram traziam os seus troféus de guerra. Sim, em todas as guerras, os homens tornam-se selvagens. A guerra é a maior das selvajarias porque cada um se treina para matar o outro e aterrorizá-lo, impedindo-o de reagir. O napalm não civilizava nenhum angolano e as G3 também não. Já antes a escravatura fora para civilizar os pretos.
Os que regressaram vinham nos barcos carregados de heróis do Ultramar. Vinham carregados de ódio aos pretos que eram traiçoeiros e combatiam escondidos no capim e não de homem a homem. Era a lei da sobrevivência. Ou matavam ou eram mortos. Os pretos não tinham aviões, nem barcos de guerra, só a traição – o capim.
Os soldados lusos perseguiam-nos e matavam-nos e se preciso fosse cercavam as aldeias e queimavam-nas para que eles aprendessem a distinguir o bem do mal.
Alguns traziam condecorações de tanta morte, outros não sabiam o que mataram, pois os traiçoeiros pretos levavam os mortos, como se os portugueses deixassem os seus. A verdade é que há muitos heróis desse tempo de metralhadoras que não dormem de janela fechada, nem são capazes de fazer uma ressonância magnética.
Alguns dos que regressavam tinham escondidos uns frascos e dentro dos frascos orelhas, narizes e até órgãos genitais masculinos. Era a prova da sua valentia.
Às vezes mostravam-nos. Só às vezes. Tinham-nos escondidos. E quando mostravam contavam a história dos donos daqueles pertences. Eram dos terroristas que não queriam ser portugueses, pretos malditos. E mostravam o que cortaram ou alguém por eles.
Foram anos de guerra na Guiné-Bissau, em Angola e em Moçambique. Anos a matar para não ser morto. Tão brutal e cruel que ela própria gerou a revolta e acelerou o 25 de Abril pela mão dos capitães que já não queriam pactuar com tanta desgraça.
Este é o nosso Portugal que há quarenta e seis anos metralhava os pretos dos restos do nosso Império.
Quem pode atrever-se a dizer que neste país há racismo? Quantas armas desse tempo estão prontas para matar pretos que eram os seus destinatários, mesmo que enviesadas matem brancos?
É tudo mentira, Portugal não esteve em guerra, nem nunca por nunca mandou matar pretos... Ai Portugal, Portugal.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico