Stop and go: como conseguirá o setor automóvel resistir ao “pára-arranca” provocado pela pandemia?
É imperioso que o Governo, em conjunto com as organizações e entidades diretamente ligadas ao setor, implemente medidas eficazes e que permitam salvaguardar esta indústria.
Em Portugal, o setor automóvel representa 8% do PIB nacional e exporta 98% da produção final de veículos. No entanto, e com a pandemia da covid-19, o setor atravessa uma fase de acelerada depreciação económica e financeira, com o consumo de veículos automóveis na Europa a cair estimadamente 70%, o que se irá traduzir num arranque muito lento da produção de automóveis com efeitos em toda a cadeia de produção. Portugal não será, infelizmente, exceção, e a queda da procura é já de 90%, número alarmante e que antecipa uma crise económica e social gravíssima.
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Em Portugal, o setor automóvel representa 8% do PIB nacional e exporta 98% da produção final de veículos. No entanto, e com a pandemia da covid-19, o setor atravessa uma fase de acelerada depreciação económica e financeira, com o consumo de veículos automóveis na Europa a cair estimadamente 70%, o que se irá traduzir num arranque muito lento da produção de automóveis com efeitos em toda a cadeia de produção. Portugal não será, infelizmente, exceção, e a queda da procura é já de 90%, número alarmante e que antecipa uma crise económica e social gravíssima.
Perante este cenário, é crucial refletir sobre as opções que o setor automóvel terá à sua disposição para resistir à travagem brusca que a pandemia provocou e que afeta o setor de uma forma transversal e à escala mundial. A análise e a resposta a dar terá de ser, neste caso concreto, tailor-made, e isto porque teremos de enfrentar uma crise à qual nenhum país se encontra imune e que afeta e afetará – provavelmente nos próximos anos – a indústria automóvel de uma forma sem precedentes.
A indústria automóvel vem enfrentando, nos últimos anos, desafios como, por exemplo, a condução autónoma ou a mudança de paradigma da combustão para veículos elétricos ou híbridos. Falámos, contudo, neste caso, de uma revolução necessária, imposta pelo mercado e pelos consumidores, e à qual a indústria consegue dar resposta. Falámos de investimento, de transformação, de crescimento.
Os desafios de hoje são invariavelmente distintos. Inevitavelmente mais preocupantes e desafiantes. Perigosamente incertos. Encontramos, hoje, um setor descapitalizado e que, sem injeção de capital, não conseguirá manter a atividade de grande parte das empresas – que estão a produzir apenas para stock e sem previsão de encomendas devido à estagnação de venda de automóveis na Europa. E qual será o impacto desta realidade? Em Portugal, poderemos estar perante o despedimento de 15 mil colaboradores, números que atirarão o país para uma crise social preocupante.
É, por isso, urgente olharmos para as medidas extraordinárias apresentadas pelo Governo e analisar que benefícios concretos trarão ao setor. Mais: é imperioso que o Governo, em conjunto com as organizações e entidades diretamente ligadas ao setor, implemente medidas eficazes e que permitam salvaguardar esta indústria. Falamos, por exemplo, da extensão do lay-off simplicado até ao final de 2020, medida que poderia seguir a tendência stop and go, ou a injeção de capital na indústria automóvel – uma das mais relevantes para o PIB nacional – sem recurso ao endividamento. É crucial que o Governo implemente, com urgência, medidas excecionais de apoio.
Mais do que uma designação – “lay-off tradicional”, “lay-off simplificado”, “apoio à retoma progressiva” ou “incentivo extraordinário à normalização da atividade” –, o setor aguarda medidas que permitam proteger e apoiar empresas, que possibilitem a competitividade e protejam a importância do setor a nível nacional e internacional e, ainda, que permitam salvaguardar largas centenas de postos de trabalho. Trata-se de uma cadeia que depende urgentemente do apoio do Governo e da qual dependem, por sua vez, milhares de pessoas.
Pessoas essas que terão um papel ativo na retoma na economia.
Neste ponto, será crucial olharmos para a questão dos Recursos Humanos e para a gestão que muitas unidades foram obrigadas a fazer nesta altura de pandemia, de forma a reduzir o número de colaboradores. Estas empresas foram obrigadas, fruto das circunstâncias que afetam o setor, a dispensar os colaboradores mais jovens e com contratos a termo – a nova geração, altamente produtiva, capacitada e detentora de novas ideias e projetos para o setor. À crise transversal motivada pela covid, juntamos, agora, uma ainda incalculável crise de RH, que, além de retirar perspetivas de carreira e futuro a estes jovens, coloca alguns desafios de produtividade às organizações.
O setor não pretende de forma alguma abrir mão dos colaboradores com mais anos de experiência (eles são o passado e o presente e farão, invariavelmente, parte do futuro desta indústria). O setor pretende, sim, e com o apoio do Governo, conseguir pensar o futuro destes trabalhadores, oferecendo-lhes, por exemplo – e depois de décadas de dedicação –, a possibilidade de optar pela reforma antecipada. Falamos de um setor que exige uma boa condição física e que obriga, em momentos de pico, a turnos consecutivos, mantendo o estado de atenção e alerta. Acreditamos, pois, que esta conjuntura nos deverá fazer refletir sobre a idade da reforma e sobre os mecanismos que o Estado coloca à disposição de quem dedicou toda uma vida a esta indústria.
Acreditamos que esta medida, além de justa, potenciará a competitividade e produtividade das empresas e ajudará a evitar, ou pelo menos atenuar, uma crise social, principalmente nas camadas mais jovens.
É hora de, em conjunto, traçarmos a rota da recuperação. É hora de olharmos para as grandes economias europeias e para os exemplos de Espanha, França ou Alemanha, que, atentas às reais dificuldades do setor, estão já a implementar um conjunto de medidas que visam a salvaguarda da indústria.
Vivemos uma situação sem precedentes, que ganha contornos ainda mais preocupantes pela incerteza social e económica que envolve. É necessário que o Governo, em contacto com todos os agentes políticos, sociais e económicos, avance. Só dessa forma será possível minimizar o já enorme prejuízo – também ele social e económico – que este vírus causou, causa e causará. A ação e colaboração serão determinantes para o setor automóvel resistir ao “pára-arranca” provocado pela pandemia.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico