Relação mantém sentença de quatro anos e seis meses de prisão para homem que infectou mulher com VIH
Tribunal diz que os crimes de ofensa à integridade física provocam reprovação social, nomeadamente quando as vítimas ficam a padecer de doença incurável e ainda altamente estigmatizante como é a infecção com VIH e que por isso deve ser dado à comunidade um sinal claro de intolerabilidade da prática de tais crimes.
O Juízo Local Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Faro tinha condenado um homem pela prática de um crime de ofensa grave à integridade física, por ter infectado a companheira com VIH, sabendo que era portador da doença, na pena de quatro anos e seis meses de prisão suspensa e ainda a pagar uma indemnização de cerca de 32 mil euros.
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O Juízo Local Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Faro tinha condenado um homem pela prática de um crime de ofensa grave à integridade física, por ter infectado a companheira com VIH, sabendo que era portador da doença, na pena de quatro anos e seis meses de prisão suspensa e ainda a pagar uma indemnização de cerca de 32 mil euros.
O arguido tinha sido acusado pelo Ministério Público também pelo crime de propagação de doença contagiosa, mas o tribunal absolveu-o deste crime.
Mesmo assim, considerando a sentença injusta, o arguido recorreu da sentença para o Tribunal da Relação de Évora que acabou por decidir manter a sentença aplicada pela primeira instância.
Assim, concluíram os juízes da Relação de Évora que “comete o crime de ofensa à integridade física e não de propagação de doença contagiosa o arguido que, sabendo ser portador do vírus VIH, tem relações sexuais desprotegidas com a ofendida e a infecta, sem, contudo, ter a intenção directa de a infectar e propagar a doença de que padece”.
E por tal, “considera-se adequada a aplicação ao arguido da pena de quatro anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova e considera-se ainda adequada a indemnização a título de danos não patrimoniais”.
De acordo com os factos dados como provados por ambos os tribunais, “em data não concretamente apurada do mês de Dezembro de 2005, o arguido tomou conhecimento de que era portador e se encontrava infectado pelo VIH-1, sendo seguido em consulta de imunodeficiência no Centro Hospitalar Universitário do Algarve, em Faro, desde o mês de Fevereiro de 2006”.
Também foi dado como provado que o arguido tinha conhecimento do vírus de que é portador e dos modos como este pode ser transmitido a outras pessoas. Ou seja, que o arguido sabia “que o vírus pode ser transmitido a outra pessoa através relações sexuais de cópula sem que seja usado preservativo”.
Outro facto provado foi que, “no período compreendido entre o mês de Dezembro de 2016 e Fevereiro de 2017, em diversas ocasiões e normalmente com periodicidade bissemanal, o arguido manteve relações de cópula completa com a ofendida, sendo pelo menos três delas sem uso de preservativo, por iniciativa daquele”.
Como consequência directa dessas relações sexuais, a ofendida contraiu o vírus VIH-1, ficando infectada pelo mesmo. Para os juízes, “o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, ciente de que a sua conduta é proibida e punida por lei”.
E apesar de estar inserido a nível social, profissional e familiar, estas circunstâncias “não o demoveram de se demitir da toma de medicação, exponenciando os riscos para a própria saúde e por conduta perigosa”.
Ficou provado que a certa atura, especialmente no período em que manteve o relacionamento com a ofendida, o arguido faltou a consultas e não levantou a medicação, que segundo especialistas ouvidos podiam manter a sua carga viral controlada e mais reduzida.
Assim, para os magistrados, e para justificar a manutenção da sentença aplicada, as exigências de prevenção especial, não são reduzidas.
“Apesar de o arguido ser primário e estar inserido, dado o modo de execução dos factos (do qual sobressai que foi sua a iniciativa de manter relações sexuais desprotegidas) e a ausência de qualquer atitude reveladora de arrependimento ou cuidado”, lê-se.
Por isso, os juízes sublinham que as exigências de prevenção geral são elevadas “porquanto os crimes de ofensa à integridade física atentam contra bens jurídicos pessoais e concitam um juízo de forte reprovação social, nomeadamente quando as vítimas ficam a padecer de doença incurável e ainda altamente estigmatizante como é a infecção com VIH; como tal, deve ser dado à comunidade um sinal claro de intolerabilidade da prática de tais crimes, por forma a que seja reafirmada a validade e vigência das normas jurídicas violadas”.
Para justificar também a manutenção da indemnização no valor dos 32 mil euros, o Tribunal também dá como provados os danos.
Ficou provado que a ofendida confiava no arguido. “Por trocarem diariamente mensagens e partilharem um com o outro o seu dia-a-dia e os pormenores da sua vida familiar e profissional desde Novembro de 2016, a ofendida ganhou confiança no arguido e começou a nutrir sentimentos amorosos por ele”, lê-se, sublinhando-se que esta desconhecia que o arguido fosse portador de VIH ou de qualquer doença ou infecção.
A ofendida descobriu que tinha sido infectada quando, entre Fevereiro e Março de 2017, sofreu uma inflamação nos gânglios, apareceram-lhe manchas nas costas e no abdómen, teve dores no pescoço e de garganta, febre, perda de peso e de apetite e sentiu muito cansaço.
Depois de diagnosticada ficou provado que esta se sentiu desesperada, nervosa e desanimada, passou a viver com angústia e perdeu a sua tranquilidade.
“Perdeu a alegria de viver e deixou de sonhar com a constituição de família, casar ou ter filhos”, lê-se, acrescentando que também ficou provado que esta passou a refugiar-se em casa e a afastar-se dos amigos.
“Sentiu-se traída por ter sido infectada por alguém em quem confiava e que era sabedor de que era portador do vírus VIH”, de acordo com os factos dados como provados.
O Tribunal da Relação de Évora de decidiu assim não dar provimento ao recurso do arguido e manter a sentença, uma vez que a vivência da ofendida “não deixa de ficar seriamente marcada por todas as limitações inerentes a quem se vê infectada com o vírus em apreço e desprezar tal realidade significa desconhecimento e insensibilidade”.