Em defesa dos debates parlamentares com o primeiro-ministro
Os subscritores do presente apelo consideram que a passagem dos atuais debates quinzenais com o primeiro-ministro a uma vez em cada dois meses representa um recuo indesejável e incompreensível.
Nas democracias ocidentais, devido a fatores tais como a crescente especialização técnica da função legislativa, a concentração de recursos nos governos, a europeização e a globalização, os parlamentos têm perdido terreno na sua função legislativa em prol dos executivos. Todavia, tal não significa necessariamente um recuo de todas as funções dos parlamentos, já que estas não se resumem à legislativa. De entre as outras funções das assembleias legislativas contam-se a ligação entre os cidadãos e o sistema político, a função de representação (sendo um órgão coletivo e plural, numa democracia é o Parlamento o órgão fundamental para representar a diversidade e a pluralidade da cidadania, muito mais do que qualquer órgão unipessoal e/ou do que qualquer órgão onde só esteja representada a maioria do dia, como seja o Governo), o debate político, bem como as funções de fiscalização e controlo político do gabinete (sessões de investidura, moções de censura e confiança, audições com membros do governo e da administração pública, sessões de debate e perguntas ao Governo e ao primeiro-ministro, etc.). Portanto, fiscalizar e escrutinar a ação dos executivos faz parte integrante do trabalho das assembleias legislativas, assim como faz parte integrante do trabalho dos governos, nomeadamente do primeiro-ministro, prestar contas regularmente perante a Assembleia da República.
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Nas democracias ocidentais, devido a fatores tais como a crescente especialização técnica da função legislativa, a concentração de recursos nos governos, a europeização e a globalização, os parlamentos têm perdido terreno na sua função legislativa em prol dos executivos. Todavia, tal não significa necessariamente um recuo de todas as funções dos parlamentos, já que estas não se resumem à legislativa. De entre as outras funções das assembleias legislativas contam-se a ligação entre os cidadãos e o sistema político, a função de representação (sendo um órgão coletivo e plural, numa democracia é o Parlamento o órgão fundamental para representar a diversidade e a pluralidade da cidadania, muito mais do que qualquer órgão unipessoal e/ou do que qualquer órgão onde só esteja representada a maioria do dia, como seja o Governo), o debate político, bem como as funções de fiscalização e controlo político do gabinete (sessões de investidura, moções de censura e confiança, audições com membros do governo e da administração pública, sessões de debate e perguntas ao Governo e ao primeiro-ministro, etc.). Portanto, fiscalizar e escrutinar a ação dos executivos faz parte integrante do trabalho das assembleias legislativas, assim como faz parte integrante do trabalho dos governos, nomeadamente do primeiro-ministro, prestar contas regularmente perante a Assembleia da República.
Do ponto de vista das funções de fiscalização e de controlo político do Parlamento sobre o Governo e a administração, a reforma da Assembleia da República (AR) de 2007 foi um ponto de viragem muitíssimo importante no reforço da capacidade da AR em fiscalizar e escrutinar a ação do executivo. Executada durante a maioria absoluta socialista, o Grupo de Trabalho Reforma de 2007 da AR foi pilotado pelo socialista António José Seguro, mas contou com membros de todos os partidos parlamentares de então: António Filipe (PCP); José Matos Correia (PSD); Luís Fazenda (BE); Pedro Mota Soares (CDS-PP). Foi uma reforma muito positiva, assim valorizada aliás por todos os partidos. Mais tarde, na sua Dissertação de Mestrado em Ciência Política no ISCTE-IUL, António José Seguro avaliou não apenas estatisticamente os resultados da dita reforma (2007-2014), mas também através de entrevistas a todos os líderes parlamentares (2007-2014), de todos os partidos: A Reforma do Parlamento Português. O Controlo Político do Governo, Quetzal, 2016. Diz-nos o autor nas conclusões do estudo (arguido academicamente pelo antigo presidente do ISCSP-UL e ex-deputado do PSD, Manuel Meirinho Martins): “As sessões de perguntas quinzenais ao primeiro-ministro, os debates de atualidade e as audições aos membros do Governo (em comissões) são os instrumentos que mais contribuíram, positivamente, para o aumento do controlo político do Governo e que, coincidentemente, melhores avaliações recolhem, entre os principais protagonistas parlamentares (p. 107).”
Tudo somado, os subscritores do presente apelo consideram que a passagem dos atuais debates quinzenais com o primeiro-ministro a uma vez em cada dois meses, recentemente aprovada no Parlamento (24-7-2020), representa um recuo indesejável e incompreensível (para quem defende o parlamentarismo e a qualidade da democracia) na capacidade de controlo político da Assembleia da República sobre o Governo, e apelam à necessidade de se ponderar, urgentemente, a correção desta tendência negativa. Tanto mais que, por um lado, o primeiro-ministro tem já um papel chave no sistema político português, quiçá exagerado (recorde-se que o regime foi já apelidado, pelo Professor Adriano Moreira, de “presidencialismo de primeiro-ministro"), e, por outro lado, como recordou o deputado do PSD, Pedro Rodrigues, no PÚBLICO de 23-7-2020, com esta inflexão Portugal passará a ter um dos parlamentos europeus onde menos se escrutina a ação do Governo e do primeiro-ministro, já que nos outros países a maioria das assembleias legislativas exige a presença semanal, quinzenal ou mensal (esta última apenas numa minoria de casos) do primeiro-ministro para prestar contas no Parlamento.
André Freire, Politólogo, Professor Universitário
Francisco Louçã, Economista, Professor Universitário, Conselheiro de Estado
Francisco Teixeira, Professor de Filosofia
Álvaro Beleza, Médico, Professor Universitário, Presidente da SEDES
Daniel Adrião, Consultor, Membro da Comissão Nacional do PS
José Ribeiro e Castro, Advogado, ex-líder do CDS-PP
Manuel Meirinho Martins, Politólogo, Professor Universitário
Pedro Bacelar de Vasconcelos, Constitucionalista
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico