Ex-militares da Renamo temem ser confundidos com rebeldes
Entregaram as armas em Junho, no âmbito do processo de desmilitarização acordado o ano passado entre o partido de Ossufo Momade e o Governo, mas agora receiam ser confundidos com os rebeldes de Mariano Nhongo. E sem armas para se defenderem.
Ex-guerrilheiros da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), que entregaram as armas em Junho, no âmbito do processo de desmilitarização, temem agora uma nova ameaça no regresso às suas aldeias, ser confundidos com os dissidentes da Renamo que se recusam a aceitar o acordo de paz e a abandonar a luta.
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Ex-guerrilheiros da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), que entregaram as armas em Junho, no âmbito do processo de desmilitarização, temem agora uma nova ameaça no regresso às suas aldeias, ser confundidos com os dissidentes da Renamo que se recusam a aceitar o acordo de paz e a abandonar a luta.
A autoproclamada Junta Militar, chefiada por Mariano Nhongo, rejeita seguir as ordens de Ossufo Momade, que assumiu a presidência da Renamo depois da morte, em 2018, do seu líder histórico, Afonso Dhlakama, e já matou 24 pessoas na região centro do país em vários ataques durante o último ano.
Os ex-guerrilheiros da Renamo temem agora que os soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique não os distingam dos rebeldes nas suas acções para combater os homens de Nhongo.
A zona da aldeia de Cheadeia, no distrito de Nhamatanda, província de Sofala, tem sido um dos palcos desta violência. Ali e noutros pontos, a Renamo acusa as forças estatais de estarem a raptar e a assassinar alguns dos seus membros - mas sem indicar casos concretos - ao procurar dissidentes filiados à Junta Militar.
Por sua vez, as autoridades acusam os rebeldes da Renamo de estarem a assassinar dirigentes locais e a vandalizar infra-estruturas públicas.
“Sempre que chegam as forças de defesa, nós temos medo, porque já não temos armas”, diz à Lusa João Ruben, 52 anos, 30 dos quais passados em várias bases da guerrilha, desmobilizado em Junho, em Savane, distrito de Dondo (Sofala).
O ex-guerrilheiro conta que nas visitas à aldeia, em 1992, no fim da “guerra dos 16 anos” (designação dada à guerra civil moçambicana) e durante a trégua de 2016, ele e outros colegas de armas foram alvo de perseguição dos militares do exército. E agora receia que as mesmas forças não consigam distinguir os guerrilheiros reintegrados dos dissidentes.
“Nós fomos desmobilizados para nossas casas. À chegada, o hospital foi queimado e chegaram as forças de intervenção rápida (UIR)”, descreve, dando um exemplo de uma situação em que teve medo, expressando um sentimento que se generaliza a outros que deixaram a guerrilha.
Para Jossias Combo, outro ex-guerrilheiro que pertenceu à guarda pessoal de Dhlakama, o que falta é uma verdadeira reconciliação para que a sua reintegração se transforme em tranquilidade e paz. Num português falado com dificuldade, tenta traduzir de forma simples o que o atormenta: a Junta Militar “estraga, e não satisfeito, o Governo entra também” na aldeia.
No meio do conflito, os desmobilizados não querem ser um dano colateral só porque a Junta também carrega o nome do maior partido da oposição. E há ex-guerrilheiros que preferem dormir nas matas com a família, devido à alegada onda de perseguição e assassínios dos membros do partido, algo que é falado, mas ninguém consegue confirmar.
Este sentimento de insegurança dos ex-guerrilheiros desmobilizados levou a Renamo a desenvolver uma série de campanhas de sensibilização nas aldeias onde estão a ser reintegrados. As sessões tentam assegurar que há condições para viverem sem se esconderem das autoridades e sem medo de perseguição.
Em declarações à Lusa, Albertina Sibanda, delegada política distrital da Renamo em Nhamatanda, disse que os ex-guerrilheiros têm experiência de vida civil, mas a sua inserção política é fundamental para que não sejam confundidos com integrantes da Junta Militar.
“Desta vez, o Governo deve posicionar-se. Quando eles [ex-guerrilheiros] dizem que têm medo, é porque quando o grupo de Nhongo entra na zona, o Governo, ao reagir, não os consegue separar e diz que todos são da Renamo” explica.
“Esses da defesa [estatal], quando entram, incomodam-nos, dizendo que como são desmobilizados são capazes de apoiar o grupo de Nhongo”, insistiu a responsável.
A Lusa tentou ouvir as autoridades locais, nomeadamente o administrador distrital de Nhamatanda, mas não obteve resposta.
Os recém-chegados a Cheadeia fazem parte de um grupo de cerca de 300 ex-guerrilheiros da base de Savane que beneficiou da segunda fase do processo de Desmobilização, Desarmamento e Reintegração (DDR), reiniciado a 4 de Junho, depois de vários meses paralisado.
O DDR resulta do acordo de paz assinado em Agosto de 2019 entre o Presidente da República, Filipe Nyusi, e o presidente da Renamo, Ossufo Momade.