Governo de Hong Kong adia eleições legislativas um ano por causa do novo surto de covid-19

Oposição pró-democrática denuncia a decisão, que encara como mais um passo para silenciar vozes dissonantes no território.

Foto
Carrie Lam disse que o adiamento das eleições foi a decisão mais difícil desde a eclosão da pandemia Reuters/LAM YIK

O governo de Hong Kong anunciou o adiamento por um ano das eleições para o Conselho Legislativo por causa da subida recente de casos de infecção pelo novo coronavírus. A oposição pró-democracia criticou a decisão e alertou para a possibilidade de se abrir uma “crise constitucional”.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O governo de Hong Kong anunciou o adiamento por um ano das eleições para o Conselho Legislativo por causa da subida recente de casos de infecção pelo novo coronavírus. A oposição pró-democracia criticou a decisão e alertou para a possibilidade de se abrir uma “crise constitucional”.

O anúncio foi feito pela chefe do executivo, Carrie Lam, que disse ter sido a decisão mais difícil desde que os primeiros casos de covid-19 foram registados na metrópole. “O director da Organização Mundial de Saúde disse recentemente que por vezes é preciso fazer escolhas difíceis e esta minha decisão de hoje é a mais difícil de todas”, afirmou Lam.

As eleições para o Conselho Legislativo estavam inicialmente marcadas para 6 de Setembro. Lam disse ainda que quaisquer questões legais que surjam decorrentes do adiamento serão tratadas pela Comité Permanente do Congresso Nacional do Povo, a cúpula legislativa da República Popular da China.

O governo local vai recorrer aos poderes de emergência numa altura em que o número de infecções tem subido de forma acentuada. Há dez dias que Hong Kong regista mais de cem casos diários e esta sexta-feira foram identificadas 121 novas infecções. Esta semana, Carrie Lam tinha deixado um alerta para uma “terceira vaga” da covid-19 e avisou que o sistema hospitalar poderá entrar em colapso.

“Se continuarmos com as nossas eleições, milhões de eleitores irão visitar as mesas de voto no mesmo dia e o risco de infecção seria muito elevado”, justificou Lam.

Críticas da oposição

No entanto, o adiamento das eleições para o Conselho Legislativo está a ser visto como mais um passo para silenciar a oposição em Hong Kong. As eleições eram aguardadas com grande expectativa pelos sectores pró-democráticos e anti-Pequim, num contexto de forte contestação que levou milhões de pessoas no ano passado a participarem em manifestações em que denunciavam a crescente ingerência chinesa nos assuntos internos da cidade.

Nas eleições para conselhos distritais do ano passado, os candidatos pró-democracia alcançaram um resultado histórico ao conseguirem vencer em 17 dos 18 lugares em disputa, e esperavam repetir esse sucesso no Conselho Legislativo.

Esta quinta-feira, 12 candidatos desta área política já tinham sido proibidos de concorrer às eleições, incluindo o activista Joshua Wong, que se notabilizou durante a chamada “revolução dos guarda-chuvas” em 2014.

O adiamento das eleições gerou fortes críticas por parte dos partidos da oposição que, numa carta assinada por 22 deputados, lembraram que o regimento do Conselho Legislativo permite apenas o adiamento por 14 dias. “Adiar [para além dessa data] será abrir uma crise constitucional na cidade”, dizem, citados pelo South China Morning Post.

“Após um ano de movimento democrático, é urgente que o Conselho Legislativo passe por um baptismo na opinião pública, que é a raiz da governação da cidade”, acrescentam os parlamentares, notando que foram realizadas mais de 60 eleições em todo o mundo já em período de pandemia.

Também a Human Rights Watch se pronunciou a propósito do adiamento, que definiu como “um passo cínico para conter uma emergência política e não sanitária”. “Sem fazer qualquer tentativa de estudar métodos alternativos de voto, ou assegurar que os direitos eleitorais sejam respeitados, Lam e os seus apoiantes em Pequim estão apenas a mascarar a repressão sob o pretexto da saúde pública”, disse a directora da organização para a China, Sophie Richardson.

Hong Kong vive em clima de crise política permanente desde o ano passado, quando durante meses foram convocadas manifestações contra uma lei que permitia a extradição de suspeitos de crimes para a China. Já este mês a entrada em vigor de uma controversa lei de segurança nacional aprofundou os receios de que Pequim esteja a sufocar a autonomia e as liberdades que os cidadãos da ex-colónia britânica gozam ao abrigo da fórmula “um país, dois sistemas”.

A China não tem escondido o desejo de acelerar a integração de Hong Kong e, para isso, tem usado vários instrumentos para impor o seu regime político.