Câmara de Gondomar espera renegociar preço da água ainda este ano
Município admite criar comissão de supervisão deste serviço entregue a privados, que inclua membros de um movimento cívico que, em dois meses, reuniu milhares de pessoas e voltou a pôr os preços da água na agenda política.
O recém-criado Movimento Cívico em Defesa dos Interesses dos Consumidores das Águas de Gondomar saiu de uma primeira reunião com o presidente do município com a perspectiva de poder vir a integrar uma comissão de supervisão daquele serviço, que Marco Martins admite criar. O autarca espera até ao final do ano terminar a renegociação do contrato com a concessionária, em moldes que lhe permitam baixar o tarifário, mas João Brás, um dos fundadores do grupo, só acredita quando lhe chegar a casa uma factura sem os valores “exorbitantes” que o levaram a criar, com outros conterrâneos, este movimento.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O recém-criado Movimento Cívico em Defesa dos Interesses dos Consumidores das Águas de Gondomar saiu de uma primeira reunião com o presidente do município com a perspectiva de poder vir a integrar uma comissão de supervisão daquele serviço, que Marco Martins admite criar. O autarca espera até ao final do ano terminar a renegociação do contrato com a concessionária, em moldes que lhe permitam baixar o tarifário, mas João Brás, um dos fundadores do grupo, só acredita quando lhe chegar a casa uma factura sem os valores “exorbitantes” que o levaram a criar, com outros conterrâneos, este movimento.
Depois de ter passado 45 dias da fase de confinamento com os pais, com idas esporádicas à casa onde mora para buscar roupa, João Pedro Brás diz ter recebido uma conta de 45 euros para pagar apesar de não ter tido qualquer consumo (a factura reflecte também os custos com o tratamento de lixo, que estão indexados, aqui como em todo o país, ao volume de água gasto). Desesperado, contactou outros concidadãos, e iniciaram no Facebook um grupo que rapidamente se tornou num movimento de cidadania em favor da reversão do contrato de concessão da água e de tarifas mais justas.
O jovem motorista de turismo está habituado a jornadas longas na estrada mas, neste caso, tem pressa de chegar a um resultado concreto nesta questão que há anos é motivo de queixas no concelho onde a água está concessionada à Águas de Gondomar desde 2001. O contrato original terminava no próximo ano mas, em 2009, numa renegociação, o executivo então liderado por Valentim Loureiro acabou por prolongar o contrato por mais dez anos. Em 2014, já com Marco Martins à frente da câmara, houve uma nova renegociação, desta feita sem mexida de prazos, que mexeu com a taxa de rentabilidade do contrato, de 11,57% para 9,9%, mas que não trouxe alívio para as tarifas cobradas pela água que os gondomarenses consomem.
Munícipes são credores, diz a ERSAR
Aliás, a própria Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, a ERSAR, vem há anos dando parecer negativo às propostas de tarifário desta empresa, alegando que as tarifas não reflectem os apoios a investimentos que ela obteve entretanto, e exigindo, até, que seja devolvido dinheiro cobrado a mais aos clientes, desde 2014, precisamente. Estes pareceres não têm impedido, contudo, que o município venha aprovando actualizações, embora com aumentos inferiores aos propostos e abaixo da inflação prevista, garante Marco Martins, que diz estar a usar esses pareceres da ERSAR como argumento na renegociação em curso.
Desde a sua criação no final de Maio, o movimento já é acompanhado por mais de oito mil pessoas no Facebook. E a petição que lançou, simplesmente para suportar o pedido de reuniões ao município e à Águas de Gondomar, alcançou, entre recolhas na rua e subscrição online, 7500 assinaturas que consideram válidas, para além de outras 900 que ainda estão a verificar, explicou ao PÚBLICO João Brás. Que foi percebendo, como os seus concidadãos, que os números da adesão foram percebidos pelos partidos no concelho, entre os quais há a percepção da justeza das reivindicações.
Marco Martins chamou o movimento para uma primeira reunião, já nesta quinta-feira. Ao PÚBLICO explicou, esta sexta-feira, estar ao lado dos anseios dos munícipes quanto às tarifas, mas descarta a reversão da concessão embora não adiante, por falta de dados actualizados, quais os custos actuais da mesma. O autarca espera ter em breve uma actualização de um estudo sobre os custos e benefícios de um resgate deste serviço que, em valores de 2014 (a 18 anos do fim do contrato - custaria à câmara 380 a 400 milhões de euros. Em Portugal, onde há 33 sistemas municipais geridos por privados - e muita contestação em alguns casos - Mafra pagou no ano passado 26 milhões para reaver a concessão, seis anos antes do previsto.
Novo reequilíbrio do contrato?
Marco Martins admite que lhe foi posta a hipótese de o município “assumir o ónus da redução das tarifas da água” - ou seja, de pagar para que isso aconteça - mas contrapõe que injectar capital do município na concessão, “para além de ser algo de legalidade duvidosa”, implica suspender outros investimentos da Câmara Municipal. “Mas eu considero que estas preocupações são legítimas e, aliás, se tivesse de tomar uma decisão hoje, sobre um serviço municipal como este, não faria a concessão”, garante.
As declarações de Marco Martins não sossegaram o movimento. Mas João Brás mostrou-se esperançado de que próximas reuniões - há uma outra, com o presidente da Câmara, marcada já para Setembro - e a criação da referida comissão de acompanhamento possam provocar alguma mudança num dossier muito complexo que, à semelhança do que acontece noutros pontos do país, assenta em contratos com taxas de rentabilidade demasiado elevadas.
Já em 2014, o Tribunal de Contas, numa auditoria aos 27 contratos então existentes, dera conta de desequilíbrios contratuais a fazer dos privados, partilha de riscos e de outros problemas que acabam, em última instância, por se reflectir nas tarifas. O tribunal revelava, nessa altura, que todas as concessões - incluindo a de Gondomar - tinham sido alvo de reequilíbrio ou de alterações contratuais. Contudo, isso nunca levou a qualquer redução do tarifário em benefício dos consumidores”, assinalava.