Voltaram as demolições — e os desalojados — ao Bairro da Torre, em Camarate
Barraca de um casal que afirma morar no bairro há cerca de dois anos e meio foi demolida esta manhã. Câmara de Loures diz que, em articulação com a Segurança Social, disponibilizou uma solução temporária de realojamento ao casal, mas este recusou.
Nicolaiva já estava avisada, mas não esperava que a barraca que ocupava com o marido há dois anos e meio no Bairro da Torre, em Camarate, Loures, viesse mesmo abaixo. O pior acabou por acontecer e, na manhã desta quinta-feira, por volta das 9h, a estrutura a que chamavam casa foi mesmo derrubada. Nicolaiva da Graça dos Santos Ramos e o marido Ivane, ambos com 39 anos, ele são-tomense e ela com dupla nacionalidade, estão sem casa e sem saber para onde ir. Já durante a tarde, a Câmara de Loures disse ter, em articulação com a Segurança Social, disponibilizado uma solução temporária de realojamento ao casal, mas que este recusou.
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Nicolaiva já estava avisada, mas não esperava que a barraca que ocupava com o marido há dois anos e meio no Bairro da Torre, em Camarate, Loures, viesse mesmo abaixo. O pior acabou por acontecer e, na manhã desta quinta-feira, por volta das 9h, a estrutura a que chamavam casa foi mesmo derrubada. Nicolaiva da Graça dos Santos Ramos e o marido Ivane, ambos com 39 anos, ele são-tomense e ela com dupla nacionalidade, estão sem casa e sem saber para onde ir. Já durante a tarde, a Câmara de Loures disse ter, em articulação com a Segurança Social, disponibilizado uma solução temporária de realojamento ao casal, mas que este recusou.
Como a vizinha foi realojada há um mês, a câmara procedeu à demolição da barraca, destruindo também o quarto onde os dois moravam. “Fez um quartinho e como a vizinha do lado foi realojada, a câmara veio demolir. Teve de pôr as coisinhas dela na rua e partiram a casa. Ela está na rua com as coisas”, conta Ricardina Cuthbert, presidente da associação de moradores do bairro.
Em resposta ao PÚBLICO, a Câmara de Loures refere que o casal “não está referenciado” pelo município, “nem consta de nenhuma das actualizações realizadas pela autarquia na sequência de visitas regulares ao Bairro da Torre”. “O referido casal ocupou uma barraca devoluta, na qual habitava até há pouco tempo um agregado familiar que foi entretanto realojado pela Câmara Municipal”, diz ainda a autarquia. Esta declaração não coincide com o que diz o casal e a presidente da associação de moradores, que referem que Nicolaiva e Ivane ocupavam, há mais de dois anos, um quarto anexo à barraca, cuja ocupante foi realojada. “Sempre que há realojamentos, a autarquia tem como procedimento, como aconteceu aqui, proceder à demolição das construções”, nota a Câmara de Loures, que afirma ainda que o casal está a ser acompanhado pelos serviços sociais do município e articulada com a Segurança Social.
Como o casal foi uma das últimas famílias que entrou no bairro, não consta das listas da autarquia para o realojamento. Segundo explica Helena Roseta, a responsável por fazer nascer a primeira Lei de Bases da Habitação, onde ficaram escritas as bases do direito à habitação consagrado na Constituição, tal acontece porque continua a ser “utilizada a filosofia de um diploma que deveria estar mais do que revogado” — o do Programa Especial de Realojamento (PER), de 1993. “Quem fosse identificado nos levantamentos feitos nessa altura tinha direito a casa. Quem não fosse não tinha direito a nada”, nota, adiantando que está previsto que, sempre que alguém é realojado, a barraca que ocupava deve ser demolida.
“A questão central para mim é que o PER tem de ser revogado. Todos estes processos já deveriam ter transitado para o [Programa de Apoio ao Acesso à Habitação] Primeiro Direito”, afirma a ex-deputada. Na verdade, o artigo 85.º do Decreto-Lei n.º 37/2018 prevê que tal aconteça, mas dá um prazo de cinco anos, a contar da data de entrada em vigor da lei, para que caduquem. Para a ex-deputada, a transição para o programa Primeiro Direito deveria ter sido imediata.
“Isto pode ser legal, mas é imoral”, nota Helena Roseta, referindo-se à demolição da barraca, onde, segundo afirma, o casal morava há mais de dois anos. Se, em tempos normais, a situação já seria difícil, perante uma pandemia e um vírus que já lhes entrou em casa, não sabem como darão a volta. “Nós não temos onde ir. Neste tempo, não há casas para alugar que possamos pagar. Eu fiquei desempregada por causa do coronavírus. O meu marido sozinho é que trabalha e ganha o salário mínimo. Uma casa para arrendar é 600, 800 euros. Estamos à procura de casa há dois anos. Não conseguimos”, conta Nicolaiva, ao telefone com o PÚBLICO.
Esta mulher de 39 anos trabalhava como empregada de limpeza. Acabou por ficar infectada com o novo coronavírus e perdeu o emprego. Também o marido ficou doente, mas, depois de recuperado, regressou ao trabalho como mecânico numa oficina. Tiveram sintomas mais ligeiros e cumpriram o confinamento todo ali. Agora, sem emprego e sem casa, não sabe como fará. “Eu também sou portuguesa. Eu não estou aqui ilegal. Vou morar onde?”
Quando chegaram a Portugal, ainda arrendaram um quarto, mas essa opção acabou por não resultar para os dois. Segundo conta Nicolaiva, ainda procuraram uma casa, mas não encontraram uma que pudessem pagar e acabaram a construir um quarto neste bairro junto ao aeroporto de Lisboa.
O Bairro da Torre foi, em tempos, um imenso bairro de lata mesmo à entrada da capital. Começou a ser ocupado ilegalmente na década de 70. Hoje, segundo diz Ricardina Cuthbert, moram ainda no bairro 12 famílias numa situação de grave precariedade, com baixos níveis de escolaridade, baixos rendimentos. Sobrevivem com o Rendimento Social de Inserção e com os trabalhos nas limpezas. Algumas à espera de realojamento por parte da autarquia, outras foram chegando nos últimos anos.
Tem havido alguns problemas com a iluminação pública junto ao bairro. Como são feitas algumas puxadas ilegais para alimentar as casas dos moradores, EDP e câmara acabam por cortar a luz. No final do ano passado, a Câmara de Loures dava conta ao PÚBLICO que tinham sido vandalizados cabos numa extensão de cerca de 700 metros, deixando o bairro ainda mais às escuras. Mas a EDP garantiu que, pelo menos a iluminação pública junto ao bairro, ia ser reposta nos últimos dias do ano.
Notícia actualizada às 17h55: acrescenta resposta da Câmara de Loures e da ex-deputada Helena Roseta