Tribunal de Contas diz que não se conhecem “reais números” do abandono escolar

Metodologia das estatísticas é decidida a nível europeu, mas auditoria põe em causa a sua fiabilidade. Também o controlo de frequência da escolaridade obrigatória é questionado. Ministério da Educação está a implementar soluções.

Foto
Paulo Pimenta

O Tribunal de Contas (TdC) considera que não são conhecidos “os reais números do abandono” escolar em Portugal, apesar de o país ter melhorado nas estatísticas oficiais e estar perto de cumprir a meta internacional neste domínio. Num relatório de auditoria que é publicado esta terça-feira, é questionada a fiabilidade do indicador que tem vindo a ser usado e também os mecanismos de que dispõe o Ministério da Educação para controlar a frequência da escolaridade obrigatória.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O Tribunal de Contas (TdC) considera que não são conhecidos “os reais números do abandono” escolar em Portugal, apesar de o país ter melhorado nas estatísticas oficiais e estar perto de cumprir a meta internacional neste domínio. Num relatório de auditoria que é publicado esta terça-feira, é questionada a fiabilidade do indicador que tem vindo a ser usado e também os mecanismos de que dispõe o Ministério da Educação para controlar a frequência da escolaridade obrigatória.

Segundo a auditoria – que incidiu nos anos lectivos 2017/18 e 2018/19 – “não existem” no sistema educativo nacional indicadores apropriados para medir o fenómeno. O tribunal presidido por Vítor Caldeira entende que isso põe em causa “a implementação eficiente das medidas preventivas e de recuperação dos alunos”.

O indicador comummente usado (Taxa de Abandono Precoce de Educação e Formação) para avaliar o fenómeno é apurado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) a partir do Inquérito ao Emprego e tem em consideração os jovens dos 18 aos 24 anos. O TdC aponta como limitação o facto de este não “integrar os jovens dos 6 aos 18 anos, nem esclarecer o nível de ensino em que ocorreu o abandono”.

A utilização desta taxa para medir o abandono escolar está uniformizada a nível europeu, seguindo as recomendações do Eurostat, há mais de duas décadas. Isso mesmo é sublinhado pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência no contraditório ao relatório, em que salienta que “no curto prazo, será difícil implementar outra alternativa”.

"Controlo de matrículas"

No mesmo documento, o TdC considera ainda que “o controlo de matrículas e de frequência na escolaridade obrigatória não é suficientemente robusto para identificar todas as situações de abandono”. O tribunal põe sobretudo em causa que as matrículas, nos casos de mudança de ciclo ou transferência de escola, não sejam automáticas, o que “pode fragilizar o controlo do dever de frequência”.

Além disso, no início da escolaridade obrigatória, o controlo do cumprimento do dever de matrícula “é deficiente, existindo o risco de haver crianças e alunos em idade escolar que nunca tenham ingressado no sistema de ensino”. O relatório refere, a título de exemplo, uma notícia do PÚBLICO do ano passado sobre duas gémeas, então com dez anos, da Amadora, que nunca tinham ido à escola e que as autoridades foram incapazes de localizar, apesar de a sua situação ter sido sinalizada pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens.

No contraditório apresentado pelo Ministério da Educação é sublinhado que para responder a estas limitações as inscrições para o próximo ano lectivo passaram a ser feitas integralmente no Portal das Matrículas, centralizando os processos. Essa alteração “é susceptível de contribuir para a melhoria do controlo da escolaridade obrigatória, bem como para a monitorização das situações de abandono na transição de anos lectivos”, reconhece o tribunal.

A redução do abandono escolar tem tido “uma evolução muito positiva”, avalia o TdC, passando de 50%, em 1992, para 10,6%, em 2019 – pelo meio houve alterações na metodologia e quebras de série no Inquérito ao Emprego. No final do ano passado, Portugal estava já próximo da meta de 10% de abandono escolar que foi estabelecida para 2020, que terá sido atingida no início deste ano. Em Maio, numa entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença, o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues revelou que, no primeiro trimestre, antes do início da pandemia, o indicador tinha baixado para 10%.

O Ministério da Educação criou, em 2016, o Plano Nacional de Promoção do Sucesso Escolar e o Apoio Tutorial Específico, que abrange 20 mil alunos do 2.º e 3.º ciclos com dois ou mais chumbos, que vieram juntar-se a outras medidas de combate ao insucesso e abandono precoce como o programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), cuja origem remonta a 2012. Ainda assim, na auditoria agora publicada, o TdC considera que não existe “uma estratégia global, com coordenação horizontal e vertical”, que avalie as medidas de combate ao abandono escolar.