À janela ou no meio do furacão: a comunidade que faz da meteorologia “uma forma de arte”

Na noite de trovoada da semana passada, quase toda a gente parecia interessada em meteorologia. Mas há quem faça da observação do tempo e da caça às tempestades um hobby durante o ano inteiro.

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Alex Paganelli

Na madrugada de 20 para 21 de Julho, Duarte Sousa, 24 anos, quis ir para o marco geodésico de Loures assistir à noite de trovoada que, entre fascinados e assustados, não deixou ninguém indiferente. Duarte define-se como um “amante de meteorologia” e aquela noite, onde foram contabilizados 13.500 raios, foi especial para os meteorologistas amadores – que formam uma comunidade com milhares de pessoas espelhadas pelo país.

Mas Duarte teve pouca sorte e não ficou para assistir ao espectáculo. Ou melhor: acabou foi por ter muita sorte. “Cheguei lá, estava a tirar as coisas do carro para ir para o vértice geodésico, estava a cerca de 200 metros, e cai um raio nas antenas para onde eu iria. Digamos que abortei a missão”, conta ao P3.

O jovem é licenciado em Tecnologias de Informação e actualmente frequenta o mestrado em Informática. Mas, independentemente da formação, tem nas questões meteorológicas o seu hobby de eleição. Ele e várias outras pessoas. Muitas reúnem-se no fórum Meteopt, gerido por um grupo de dez pessoas do qual Duarte faz parte.

“É o maior fórum de Portugal. No total, somos cerca de 6500 membros, mas temos cerca de 150 a 200 membros activos que publicam regularmente”, explica Duarte, referindo que muitos são “sazonais”: só intervêm quando o clima está do seu agrado. No fórum, Duarte publica diariamente as previsões meteorológicas e divulga fotografias das nuvens ou do estado do tempo.

Foi sobretudo com a intenção de retratar os relâmpagos que se dirigiu ao marco geofísico naquela noite. Uma noite semelhante àquela em que começou a interessar-se pela meteorologia. Em criança, tinha “pavor de trovoada”, mas o “medo passou a fascínio” quando, aos 12 anos, estava no Algarve e se abateu uma trovoada “enorme”. “Passei mesmo mal nessa noite, mas acho que foi tratamento de choque. Fiquei curioso sobre a origem da trovoada e à medida que pesquisamos perdemos o medo.”

Já Jorge Lourenço, 20 anos, de Arronches, Portalegre, diz que tem desde “sempre” a “paixão” pela meteorologia. “Sempre gostei de olhar para o céu”, resume. Mas foi em 2010, aquando de um grande nevão no Alentejo, que passou a levar a meteorologia mais a sério: “Nunca tinha visto nada assim.”

Além de publicar diariamente no Meteopt os dados meteorológicos da terra onde vive, o estudante de Administração Pública diz “adorar ir para o meio do campo registar o tempo”. “É um fascínio observar as forças da natureza.”

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Duarte Sousa, 24 anos, é um dos gestores da comunidade Meteopt Duarte Sousa

Forças que Artur Rebelo Neves, 44 anos, faz por conhecer bem de perto. Em 2015, foi com um grupo de amigos para os Estados Unidos para a Tornado Alley, a zona no centro do país conhecida pelos intensos tornados. “É como se fosse a ‘Liga dos Campeões da meteorologia’. Os fenómenos são muito mais severos e as formações de células são como se aprende nos livros. Só naquela zona é que aquilo existe”, afirma. Nessa viagem, Artur e os amigos encontraram entusiastas da meteorologia vindos de todo o mundo, na “verdadeira tempestade perfeita”.

Foi naquele ano que Artur criou o grupo Meteoalerta, que desde aí tem produzido vários documentários sobre as aventuras no meio das tempestades. Um ano antes já tinha sido fundador da Troposfera – Associação Portuguesa de Meteorologia Amadora, que agora vai ser desactivada devido à “falta de sócios e de meios”. Ainda assim, o técnico superior de mecatrónica, que se lembra de ver trovadas à janela com a mãe desde criança, não vai deixar de ir atrás das tempestades. “No nosso dia-a-dia, se virmos que vai dar trovoada muito forte no Alentejo ou em Espanha, pegamos no carro e vamos para lá.”

Quem também gosta de se ver no meio de tempestades é André Silva, de 34 anos. “Eu gosto é de ir para o terreno”, diz, dando o exemplo das incursões pelo Alentejo à procura de trovoada ou das idas à Serra da Estrela em busca de neve. Uma vez que é uma “paixão de nascença”, o gestor de qualidade até chegou a ingressar no primeiro ano da licenciatura em Meteorologia, mas acabou por desistir por ser uma área “com muito poucas oportunidades” em Portugal.

“Ficou a paixão”, diz, e também a intenção de continuar a ligado à meteorologia. Se é frequente os meteorologistas amadores terem estações meteorológicas em casa, menos comum é terem uma instalada a mais de 300 quilómetros do sítio onde vivem — mas foi o que o André fez. Vive em Odivelas, mas montou uma estação meteorológica na aldeia de Várzea da Serra, em Viseu, a terra dos pais e onde a família vai “umas quatro vezes ao ano passar férias”. Como lá não existia uma boa cobertura meteorológica, decidiu montar a estação que incorpora uma webcam, a transmitir online 24 horas por dia. Uma ferramenta importante numa freguesia onde “grande parte da população” está emigrada. “As pessoas acompanham mesmo o site, que tem um impacto grande nas pessoas da terra e envolve a comunidade e os emigrantes que assim sempre matam saudades”, conta. E, assim, André também sabe o estado do tempo antes de ir de férias.

Seja utilizando um termómetro básico ou um complexo sistema, observando pela janela ou indo para o olho do furacão, são muitos os que fazem da meteorologia um passatempo. Para André, a justificação é simples: é a “atracção pela contemplação da natureza” no seu “expoente máximo”. “Há pessoas que gostam de arte. No meu caso, a natureza atmosférica é mesmo uma arte.”