Podemos esperar orientações progressistas para as políticas de emprego na UE?
As políticas de emprego não podem continuar assentes em premissas erradas e, sobretudo, não podem continuar a ser permissivas à precariedade e exploração laboral. Muito menos agora. É pedir muito?
No dia 10 de julho de 2020 foi aprovado pelo plenário do Parlamento Europeu o relatório da Comissão de Emprego e dos Assuntos Sociais – em que foi relator o deputado europeu José Gusmão, do GUE/NGL, o Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde – que estabelece as Orientações para as Políticas de Emprego.
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No dia 10 de julho de 2020 foi aprovado pelo plenário do Parlamento Europeu o relatório da Comissão de Emprego e dos Assuntos Sociais – em que foi relator o deputado europeu José Gusmão, do GUE/NGL, o Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde – que estabelece as Orientações para as Políticas de Emprego.
O relatório introduz alterações significativas à proposta de decisão do Conselho relativa às orientações para as políticas de emprego dos Estados-membros e foi aprovado com uma expressiva maioria de 550 votos favoráveis, 128 votos contra e dez abstenções.
O documento em apreço serve de base às orientações específicas para os países no âmbito do Semestre Europeu e reflete um conjunto de preocupações que escapam à habitual lógica generalista, que deixa em aberto a concretização de aspetos essenciais, e que preside a muita da produção legislativa que emana da União Europeia.
Senão vejamos… Este relatório introduz preocupações tão relevantes quanto o declínio da contratação coletiva, a tutela dos direitos dos trabalhadores com deficiência, a igualdade de género e a necessidade de responder ao desemprego jovem, bem como de investimento social, tecnológico e ambiental.
Das emendas constam referências aos objetivos de garantia da “convergência social das PME”, de combate à precariedade, ao falso trabalho independente, bem como à discriminação de pessoas com deficiência ou outros grupos desfavorecidos, à proteção na maternidade e paternidade com reflexos em matéria contributiva, à participação dos representantes sindicais na prevenção de acidentes e doenças no local de trabalho incluindo todos os riscos psicossociais que lhes estão associados, à atribuição de poderes efetivos às inspeções de trabalho e à coordenação de esforços no âmbito da Autoridade Europeia do Trabalho, ao desenvolvimento de políticas de emprego com recurso à rede europeia de serviços públicos de emprego e a agências europeias, ao apoio à transição digital e ecológica, ao reforço do programa de mobilidade europeu Erasmus+, à oferta de sistemas de proteção social aos trabalhadores fronteiriços e aos trabalhadores por conta própria que trabalham e vivem em Estados-Membros diferentes, ao aumento dos esforços para combater a pobreza e a exclusão social, por via de estratégias horizontais e prestando especial atenção aos trabalhadores pobres, às crianças, aos idosos, às famílias monoparentais, especialmente às mães solteiras, às minorias étnicas, aos migrantes, às pessoas com deficiência e aos sem-abrigo.
A referência frequente no relatório aos grupos vulneráveis, fustigados por uma pandemia que pôs a nu as suas enormes dificuldades de acesso e permanência no mercado de trabalho, bem como a sua desproteção no despedimento, sinaliza uma preocupação que deveria ter expressão, de forma mais concreta, nas fontes de direito comunitário. Este processo está longe de estar concluído e a praxis do Parlamento Europeu faz suspeitar que o Conselho possa não acolher todas as emendas constantes do relatório... Esperemos que, desta vez, estejamos perante uma exceção que confirma a regra.
Convém salientar que a European Trade Union Confederation – ETUC, Confederação Europeia de Sindicatos, confederação da qual são membros a CGTP e a UGT, manifestou apoio ao relatório preliminar do Parlamento Europeu adotado na Comissão de Trabalho e Assuntos Sociais, relatório que considerou alinhado com as prioridades das centrais sindicais.
Certo é que a política de austeridade da troika deixou lastro. A desregulação laboral e a precariedade encaradas como uma espécie de mal menor e o discurso falacioso do “mais vale um mau emprego do que nenhum” encontrou eco social e tarda em extinguir-se. Também a associação entre o desemprego a uma alegada falta de flexibilidade do mercado de trabalho persiste.
No entanto, se olharmos para a realidade nacional, o desemprego registado tem outras explicações. A instabilidade do emprego criado pelos serviços é uma delas. O setor dos serviços marcou o emprego criado, mas também o emprego destruído, tal como se verifica nos dados desagregados por setor de atividade dos últimos 20 anos constantes do estudo do Observatório sobre Crises e Alternativas.
O recente relatório do ISCTE O Estado da Nação e as Políticas Públicas 2020, coordenado por Ricardo Paes Mamede e Pedro Adão e Silva confirma que em 2013, período de intervenção externa, “o volume de emprego tinha caído para cerca de 4,4 milhões de postos de trabalho (o que não acontecia desde a década de 1980) e 16,2% da população ativa encontrava -se desempregada (o valor mais elevado da série estatística). A retoma do emprego a partir de 2013 não foi acompanhada de estabilidade do emprego, tendo ocorrido sobretudo em setores onde há maior recurso ao trabalho temporário”. Como se conclui na edição de Maio do Barómetro das Crises, uma publicação do Observatório sobre Crises e Alternativas, nos períodos de retoma económica “a concentração de atividades no setor dos serviços parece ampliar a instabilidade no mundo do Trabalho”.
Importa ainda atentar na desproteção social a que ficam agora tantos trabalhadores em risco de perder o trabalho. De acordo com dados divulgados pela ILO “centenas de milhares de empregos estão agora em perigo . E, no entanto, apenas uma em cada cinco pessoas desempregadas em todo o mundo pode contar com subsídios de desemprego.”
O cinema japonês começa, felizmente, a chegar a Europa. Talvez importe saber que ventos vêm de lá… Uma pastelaria em Tóquio, da realizadora Naomi Kawase, é um relato tocante de uma idosa com mãos deformadas – devido a uma doença bastante estigmatizante que se vem a revelar ao espectador numa fase mais adiantada do argumento – e que procura trabalho numa pastelaria que vende uma espécie de panqueca japonesa, a dorayaki. A recusa inicial do fracassado dono da loja só é vencida pela persistência e pelo talento de uma trabalhadora que acaba por garantir o sucesso do negócio.
O estigma e discriminação das pessoas com deficiência ou com doenças graves e em função da idade tem que ser uma preocupação premente numa sociedade que se pretende inclusiva e em que o trabalho se assume como uma forma de valorização pessoal e social. A integração profissional dos grupos vulneráveis é uma questão de direitos humanos que nunca pode ser arredada do debate político e muito menos das políticas europeias. Este relatório tem, entre outros, o mérito de não esquecer estes grupos.
Talvez não possamos (embora o devamos exigir) aspirar a que da Europa venham sinais claros de abandono das políticas recessivas e pro cíclicas que marcaram os períodos de austeridade, sobretudo num contexto em que o Governo aceitou um acordo marcado pela condicionalidade macroeconómica e em que as regras continuam a ser ditadas pelos mesmos… Ainda assim, o acolhimento das propostas do relatório em análise pelo menos apontaria o caminho certo. As políticas de emprego não podem continuar assentes em premissas erradas e, sobretudo, não podem continuar a ser permissivas à precariedade e exploração laboral. Muito menos agora. É pedir muito?
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico