Keep Razors Sharp no CCB, à procura do palco que resta depois da pandemia
A banda volta aos concertos este sábado, ao ar livre, e quer perceber que possibilidades há para a música ao vivo depois da covid-19. “Mesmo que a interacção seja mais comedida, não vai deixar de ser possível criar uma comunhão e uma troca de energia”, acredita Rai, guitarrista e vocalista do grupo, desejoso de acelerar com segurança a retoma de um sector castigado pelo novo coronavírus.
A meio da entrevista telefónica de quase uma hora com o PÚBLICO, Rai, vocalista e guitarrista dos Keep Razors Sharp, põe-se a conversar entusiasmadamente sobre o primeiro concerto a que assistiu desde que a pandemia trocou as voltas ao mundo: a apresentação de Legendary Tigerman, no passado dia 16, que integrou o programa Takeover #1 – Musicbox no São Luiz. “Mesmo com a máscara no rosto e a lotação limitada, a experiência emocionou-me”, conta o músico. “Por muitos inconvenientes ou condicionantes que existam, não apagam aquela vibração do baixo que te enche o coração.”
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A meio da entrevista telefónica de quase uma hora com o PÚBLICO, Rai, vocalista e guitarrista dos Keep Razors Sharp, põe-se a conversar entusiasmadamente sobre o primeiro concerto a que assistiu desde que a pandemia trocou as voltas ao mundo: a apresentação de Legendary Tigerman, no passado dia 16, que integrou o programa Takeover #1 – Musicbox no São Luiz. “Mesmo com a máscara no rosto e a lotação limitada, a experiência emocionou-me”, conta o músico. “Por muitos inconvenientes ou condicionantes que existam, não apagam aquela vibração do baixo que te enche o coração.”
Este sábado, os papéis invertem-se. “Estou entusiasmado. Isto foi há uma semana e agora sou eu a tocar.” Os Keep Razors Sharp actuam no Centro Cultural de Belém (CCB), ao ar livre, pelas 21h. Será o primeiro concerto do grupo pós-quarentena – e o “peso simbólico” do espaço dá à banda um sentido de responsabilidade “especial”. “Naturalmente, há uma tensão no ar como nunca houve, mas temos de transformar essa tensão em energia”, assinala Rai, consciente de que a relação artista-público terá de se adaptar a um novo paradigma nesta realidade fantasmagórica, mas ansioso por regressar ao palco depois de uma paragem que pareceu uma eternidade. Por estes dias, afinal de contas, não são muitos os motivos que temos para saltar de alegria quando pensamos no futuro da música em Portugal. “Não sei se tenho uma citação positiva, por mais que seja um optimista. Não vamos ficar todos bem.”
Para quem ainda não os conhece, os Keep Razors Sharp tocam um rock'n'roll sujo e portentoso, tão interessado nos desvios do psicadelismo como na areia do deserto. O homónimo disco de estreia, editado em 2014, uivava como um lobo solitário que fita sem medos a Lua que o ilumina. O sucessor Overcome, de 2018, fervia com o combustível queimado na estrada abandonada que já foi percorrida pelos Black Angels, os Limiñanas ou os Queens of the Stone Age. No fim de 2013, descrevíamo-los como uma “super-banda discreta”: Afonso Rodrigues é o Sean Riley de Sean Riley & The Slowriders, Rai faz parte dos The Poppers, Braúlio já tocou baixo nos Capitão Fantasma e Carlos BB emprestou as baquetas aos Riding Pânico. Não que a lista de referências importe quando estão juntos. Desde o primeiro single, os amigos mantiveram o mesmo compromisso: “Tudo o que alguma vez pudéssemos fazer ia surgir com aquelas quatro pessoas dentro daquelas quatro paredes. Há uma personalidade colectiva que queremos respeitar”, frisa Rai.
Significa isto que, durante o confinamento, os Razors não quebraram o voto para escrever novas composições – apesar de o actual clima providenciar indesejado material de “inspiração para as artes”. Foram meses de uma interrupção forçada, que acabou por tornar mais saboroso o regresso à sala de ensaios. “É como uma relação, seja ela amorosa ou de amizade. Podes estar afastado de uma pessoa por algum tempo, mas, quando voltas a vê-la, sabes imediatamente por que é que gostas dela. Foi a mesma coisa connosco, bastou voltarmos a ligar os amplificadores para perceber por que é que as coisas nos têm corrido bem nos últimos anos”, explica a banda.
O quarteto aproveitou o reencontro para treinar um par de canções que, não sendo novas, nunca tinham sido tocadas ao vivo. O desconfinamento quer-se perfeito, sobretudo na “casa emblemática” que é o CCB. “É de louvar o trabalho que espaços como o CCB e o Musicbox têm feito. São sítios que têm genuinamente tentado criar soluções durante esta fase”, avança Rai, que teme poder não vir a ter “a oportunidade de regressar” a algumas das suas casas de concertos preferidas no futuro.
“Há clubes que já estão em risco de fechar porque não têm como aguentar um período de inactividade tão prolongado”, sublinha o artista, que, ciente de que a precariedade do tecido cultural não vem de ontem, acredita que “nunca foi tão importante olharmos para dentro”. “Pessoalmente, sempre fui muito mimado e acarinhado, mas temos de redobrar a atenção ao que é feito em Portugal. Há muita coisa boa a ser escrita e gravada, do rock à pop, do hip-hop à electrónica. Chegou a hora de nos olharmos ao espelho e investirmos no que é nacional.”
A coragem de ir a um concerto
No meio da confusão que se instalou, os Keep Razors Sharp vão encontrando conforto na “união muito grande” a que o sector se agarrou desde o início da pandemia. “Há muita coisa que damos por adquirida. Ires a um jantar em casa de um amigo ou um familiar parece banal até deixares de o poder fazer”, exemplifica o grupo. Neste momento, esclarece Rai, “não interessa seres o músico, o técnico de sala, o programador ou o dono do espaço”: “Fomos todos completamente beliscados e estamos todos a sofrer. A ferida que se abriu é muito mais fácil de sarar se toda a gente tiver o mesmo objectivo.”
Será, ainda assim, uma cicatrização lenta. O concerto no CCB é um começo, embora repleto de incógnitas. “Quem é que vai ter coragem de ir a um concerto? Quem é que vai querer sair de casa neste caos para assistir a um espectáculo de música ao vivo? Nós ficamos muito sensibilizados com as pessoas que estão efectivamente a marcar um reencontro com a cultura, porque vemos que a retoma está a acontecer com imensa contenção”, aponta a banda.
Rai sente que a actuação de Legendary Tigerman no São Luiz lhe trouxe algumas respostas. “É óbvio que, para já, não vamos poder tocar numa sala cheia onde as pessoas estão a transpirar e aos encontrões, mas, mesmo que a interacção seja mais comedida e por mais que tenhamos todos de aderir a um protocolo de segurança específico, não vai deixar de ser possível criar uma comunhão e uma troca de energia. Quem esteve no concerto estava consciente de que tinha de ter cuidado e não deixou de se divertir. Só isso foi suficiente para me dizer que há esperança.”
É com essa esperança e a muita sede de palco que a pandemia alimentou que os Keep Razors Sharp preparam o regresso. “Se isto é o novo normal, vamos lá tentar descobrir como é que o podemos habitar. O facto de a solução não ser evidente não significa que o problema seja impossível de ultrapassar”, conclui, resumindo o espírito de um sector que nunca como agora precisou de se reinventar com tanta urgência.