Divisões no bloco central sobre presença do primeiro-ministro na AR de dois em dois meses

Bancada do PS reúne-se nesta quinta-feira com o tema do fim dos debates quinzenais na agenda. No PSD, dois deputados assumem pubicamente divergências com direcção.

Foto
Se tudo for aprovado como está, não voltará a haver debates quinzenais Nuno Ferreira Santos

Vários deputados socialistas vão contestar, nesta quinta-feira, a alteração ao regimento da Assembleia da República que põe fim aos debates quinzenais com o primeiro-ministro e que torna a sua presença obrigatória apenas de dois em dois meses. Em declarações à agência Lusa, Jorge Lacão assume que a intenção colide com a história do seu partido e votará contra essa mudança. Do lado do PSD Margarida Balseiro Lopes e Pedro Rodrigues também votarão contra.

O assunto vai ser tema de debate na manhã desta quinta-feira na reunião do grupo parlamentar do PS, a primeira em que todos os deputados socialistas vão discutir o assunto – isto, apesar de esta alteração ao Regimento da Assembleia da República já ter sido aprovada por PS e PSD num grupo de trabalho no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais e de a votação final global em plenário estar prevista para a tarde desta quinta-feira.

Um dos mais destacados deputados do PS adiantou à agência Lusa a convicção de que “mais de metade da bancada socialista está contra esta mudança e defende que, no limite, os debates com o primeiro-ministro voltem a ter uma periodicidade mensal, tal como aconteceu entre 1996 e 2007”. No PSD, o assunto também não é consensual tanto por não ter sido debatido internamente, como por significar um alívio para o primeiro-ministro e dois deputados já pediram o levantamento da disciplina de voto.

Em declarações à agência Lusa, o antigo ministro Jorge Lacão (PS), que propôs e depois concretizou em 1996 a aprovação da figura regimental do debate mensal com o primeiro-ministro, manifestou “preocupação” face ao posicionamento da direcção da bancada socialista em relação a esta matéria.

O PS tem nesta matéria um legado histórico no qual se reconhece e do qual se orgulha e esse legado histórico passa pela centralidade do Parlamento na nossa democracia. Somos um sistema de governo semipresidencial, mas no qual o Parlamento tem um papel fulcral, porque é o órgão de fiscalização da actividade governativa”, frisou o deputado socialista.

Jorge Lacão referiu depois a este propósito que “a geração mais antiga” dentro da bancada do PS “lembra-se do período difícil que a democracia portuguesa atravessou normalmente designado como ‘o período do cavaquismo’​  em que a presença do primeiro-ministro na Assembleia da República era uma espécie de aparição rara”.

“Às vezes não chega a haver um tempo suficiente para a ponderação de algumas opções feitas, mas creio que nesta matéria [da periodicidade dos debates com o primeiro-ministro] estamos em cima de uma linha limite em relação à qual se corre o risco de se tomar uma má decisão. Pela minha parte, tudo farei para que esta opção possa ainda ser reflectida e invertida”, disse.

Foto

Confrontado com a tese de alguns socialistas de que os debates com o primeiro-ministro são encarados como uma espécie de guerra entre chefes partidários, Jorge Lacão contrapôs que o Parlamento “é por natureza o lugar do confronto democrático”. “Assumir que há uma circunstância confrontacional é assumir que esse também é um papel incontornável do Parlamento”, acrescentou.

Se a questão vier a ficar nos actuais termos, Lacão confirma que não poderá ter “outra atitude senão votar contra, porque contamina muito a percepção que os cidadãos têm daquilo que deve ser a normal relação entre os vários órgãos de soberania na sua independência e, igualmente, na sua interdependência”.

Jorge Lacão foi líder da bancada do PS entre 1995 e 1997, na altura em que o Governo era liderado por António Guterres. Foi nesse período que a Assembleia da República instituiu os debates mensais com o primeiro-ministro.

No que respeita à questão da liberdade ou da disciplina de voto da bancada socialista perante a matéria relativa à revisão do regimento da Assembleia da República, Jorge Lacão sustenta que o PS se “orgulha da liberdade de voto dentro do grupo parlamentar”.

“Há matérias que exigem disciplina, mas que têm temas bem identificados temas esses que se relacionam com o Orçamento do Estado e outros de idêntica relevância. Aqui, estamos a falar de uma matéria própria da competência dos deputados, da competência própria da Assembleia da República e que diz respeito ao funcionamento do Parlamento. Por isso, os deputados devem assumir plenamente o entendimento que tiverem sobre o assunto”, advoga.

De acordo com o antigo ministro socialista, “há sinais de natureza geral de algumas tendências da vida política que devem merecer alguma preocupação, porque princípios são princípios e a concretização desses princípios não deve ser menosprezada em função de outras ponderações circunstanciais”.

“Não direi que a democracia está hoje cercada, mas tem pela frente muitos problemas e até muitos adversários. Só se responderá aos desafios se o regime democrático se fortalecer e, não, pelo contrário, se tender para enfraquecer. É essa a minha questão principal, é por ela que me tenho batido ao longo de muitos anos e é por ela que continuo a guiar a minha posição própria”, afirma.