A obesidade como factor de risco de Alzheimer

Em Portugal estima-se que cerca de 6% da população acima de 60 anos sofra de demência, número que crescerá nos próximos anos devido ao envelhecimento, com custos directos e indirectos muito elevados.

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"A inactividade física, factor frequentemente associado à obesidade e ao avanço etário, constitui por si só um importante factor de risco" Paulo Pimenta

Nas últimas duas décadas conseguiram-se importantes avanços na prevenção das doenças cardiovasculares, em grande parte devido ao tratamento dos factores de risco — hipertensão arterial, diabetes, obesidade e colesterol elevado.

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Nas últimas duas décadas conseguiram-se importantes avanços na prevenção das doenças cardiovasculares, em grande parte devido ao tratamento dos factores de risco — hipertensão arterial, diabetes, obesidade e colesterol elevado.

Da mesma forma é possível identificar estratégias de prevenção das doenças neurodegenerativas em que devemos investir, sobretudo na doença de Alzheimer, demência mais prevalente, uma vez que não existem ainda tratamentos modificadores da doença, que interfiram com a sua progressão biológica.

Em Portugal estima-se que cerca de 6% da população acima de 60 anos sofra de demência, número que crescerá nos próximos anos devido ao envelhecimento, com custos directos e indirectos muito elevados.

Há alguma evidência que factores do estilo de vida podem influenciar a doença de Alzheimer, tal como a doença cardiovascular. Estudos epidemiológicos que têm sido replicados mostram que a dieta mediterrânica, o exercício físico, a actividade intelectual e social, podem reduzir este risco.

Que população está potencialmente em risco de desenvolver demência? O caso mais comum da pessoa com queixas de memória está em risco de vir a sofrer de doença de Alzheimer? Sim, se as suas queixas são reconhecidas e corroboradas por terceiros e se exames neuropsicológicos comprovarem este défice, apesar de manter actividades de vida diária normais. Esta situação que denominamos de perturbação neuro cognitiva ligeira constitui um reconhecido factor de risco de evolução para demência.

Numa metaanálise publicada na revista Lancet Neurology calculou-se estatisticamente a proporção de pessoas numa população com uma doença que pode ser atribuída a um dado factor de risco.

A hipertensão arterial que ocorre na idade média da vida está consistentemente associada a um risco aumentado de doença de Alzheimer no idoso. Estima-se que 5% de casos de doença de Alzheimer podem potencialmente atribuir-se à hipertensão arterial na idade média da vida. De igual modo 2% de casos de doença de Alzheimer atribuem-se a diabetes.

Na obesidade, tal como na hipertensão arterial, há evidência que a associação entre o excesso de peso e a doença de Alzheimer pode variar com a idade. A obesidade na idade média da vida está associada com significativo risco de demência, enquanto a obesidade na idade avançada constitui um risco reduzido. Calcula-se, de acordo com esta publicação, que cerca de 2% dos casos de doença de Alzheimer em todo o mundo sejam potencialmente atribuíveis a obesidade. No entanto este valor tem variação geográfica: nos Estados Unidos da América a percentagem é significativamente maior, estimada em 7%.

A inactividade física, factor frequentemente associado à obesidade e ao avanço etário, constitui por si só um importante factor de risco, estimando-se ser responsável por 13% dos casos de demência por doença de Alzheimer. O exercício físico aumenta a produção do Factor de Crescimento Neuronal e substâncias relacionadas, o que promove a formação de células nervosas e da conexão entre si.

A obesidade, enquanto excesso patológico de tecido adiposo, está também associada a outras doenças como diabetes, hipertensão arterial, excesso de colesterol e triglicéridos, cancro, doenças cardiovasculares, articulares e respiratórias. A medida da adiposidade acumulada na cintura constitui um bom indicador dos seus potenciais efeitos adversos.

O tecido adiposo tem sido visto tradicionalmente como um depósito passivo de energia na forma de gordura. Contudo, há evidência científica que se trata de um tecido metabolicamente activo. As suas células, adipócitos, produzem uma série de moléculas com efeitos noutros tecidos, designadamente no sistema nervoso. Embora não seja claro que estejam directamente relacionadas com a doença de Alzheimer, algumas destas substâncias, como a leptina, directamente relacionada com a adiposidade, tem efeitos no desenvolvimento cerebral e potencialmente na cognição e envelhecimento, influenciando processos de memória e de aprendizagem.

Em tempos de pandemia não podemos esquecer estas patologias com enorme impacto económico e na qualidade de vida. Devemos continuar a dar-lhes a atenção devida pela importância epidemiológica que têm. O seu despiste e tratamento não deve ser adiado pela sensação de medo e insegurança que vem instalando na sociedade.

Estes e outros factores de risco não genéticos e por isso potencialmente modificáveis pelo estilo de vida e tratamentos médicos poupariam anualmente milhões de casos de doença de Alzheimer em todo o mundo.