Espécies exóticas de insectos (e outros artrópodes) estão a aumentar nas florestas nativas dos Açores

O fenómeno do aumento de espécies exóticas já é “conhecido em ilhas em todo o mundo”, diz equipa de cientistas, mas nos Açores ainda não tinha sido bem quantificado.

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Aranha-do-cedro-do-mato (Savigniorrhipis acoreensis), espécie endémica dos Açores que ocorre em todas as ilhas, excepto no Corvo Paulo A.V. Borges

Um estudo realizado na floresta nativa da ilha Terceira mostra “um aumento da abundância e diversidade de espécies exóticas” de insectos que “não pertencem ao habitat nativo dos Açores” e que podem ter impacto nas espécies nativas e endémicas.

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Um estudo realizado na floresta nativa da ilha Terceira mostra “um aumento da abundância e diversidade de espécies exóticas” de insectos que “não pertencem ao habitat nativo dos Açores” e que podem ter impacto nas espécies nativas e endémicas.

“O outro lado da actual extinção: espécies exóticas aumentam com o impacto humano” é um estudo de longo prazo, realizado desde 2012 por investigadores de Portugal, França e Finlândia, que analisou os artrópodes (animais invertebrados com patas articuladas, como os insectos, aranhas ou centopeias) terrestres capturados em várias manchas de floresta nativa açoriana, na ilha Terceira.

Agora publicados na revista científica Insect Conservation and Diversity, os resultados do estudo mostram que, “contrariamente ao que se tem observado na Europa e no Norte da América, em que se observa um declínio da abundância de insectos, nomeadamente devido ao uso de pesticidas, nas florestas nativas dos Açores o que se está a observar com maior evidência é um aumento da abundância e diversidade de espécies exóticas, que não pertencem ao habitat nativo dos Açores e que, gradualmente, estão a ocupar essas áreas”, explicou à agência Lusa Paulo Borges, primeiro autor do artigo científico.

Este aumento pode levar à “competição de algumas dessas espécies exóticas com espécies nativas” e o impacto “poderá não ser facilmente observável agora, mas poderá ocorrer, a longo prazo, uma diminuição dessas espécies nativas e endémicas”, afirmou o investigador do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c), na Universidade dos Açores.

Outro efeito possível é a “substituição de algumas espécies nativas nas suas funções, com impactos que não são facilmente quantificáveis agora, mas que poderão ser importantes no futuro”, mencionou o cientista, apontando ainda para “o facto de essas espécies exóticas poderem estar a alterar o funcionamento dos ecossistemas e, consequentemente, alterar os processos naturais que ocorriam nas florestas nativas”.

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Uma das armadilhas usadas para capturar artrópodes na região de floresta nativa da ilha Terceira onde foi desenvolvido este estudo, entre 2013 e 2018 Paulo A.V. Borges

O especialista em macroecologia e conservação destacou que estes resultados trazem “notícias também boas”, já que “há uma reacção por parte das entidades competentes, que trabalham em conservação da natureza, no sentido de reagir” a este cenário.

O fenómeno de as espécies exóticas estarem a ganhar espaço era já “conhecido em ilhas em todo o mundo”, mas nas ilhas da Macaronésia (Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde) e, em particular nos Açores, nunca tinha sido bem quantificado.

Na região, “existem cerca de 300 espécies endémicas de artrópodes”, mas “nativas serão mais de 1000”, referiu Paulo Borges, acrescentando que o estudo revelou “pelo menos umas 70 a 100 espécies que poderão estar a ser impactadas”. Nesses casos, há necessidade de conservar o habitat e de eliminar muitas das espécies invasoras – não só animais, mas também plantas, que alteram esse habitat.

O investigador destacou que já há “vários projectos a decorrer”, nomeadamente projectos LIFE (um programa comunitário de conservação do ambiente) em que vai ser feita intervenção, “no sentido de melhorar os habitats para as espécies endémicas, de forma a que elas possam competir a sobreviver melhor a essa invasão das espécies invasoras”.

Embora a quantificação do impacto das plantas invasoras não seja fácil, alertou Paulo Borges, estas “têm um impacto sistémico no ecossistema e, nesse sentido, talvez sejam a situação mais problemática nos Açores”.

“Do que nós conhecemos actualmente, penso que a conteira, principalmente, e o incenso são duas plantas que, de facto, estão a alterar, de forma dramática, os habitats nativos e assim impactam, em geral, não só os insectos, mas também os musgos, as lesmas, caracóis endémicos, os fungos...”, concretizou.

Sobre o local onde foi realizado este estudo, o investigador adiantou que foram escolhidas dez áreas, espalhadas no centro da ilha Terceira, cobrindo várias manchas de floresta nativa, de forma a conhecer o padrão espacial dos impactos.

No que toca à floresta nativa dos Açores, as “ilhas mais bem preservadas serão a Terceira, o Pico e as Flores”. Por outro lado, as ilhas em que há mais impactos “serão São Miguel, em que praticamente só existe floresta nativa na parte Nordeste da ilha com maior representatividade”, e o Corvo e a Graciosa, onde “já há praticamente ausência de floresta nativa”.

Apesar do bom estado de conservação da floresta nativa na ilha onde foi realizado, “este estudo também mostra que há que ter muitos cuidados, porque o padrão de expansão das espécies exóticas está a aumentar”. Nas ilhas onde este habitat está mais ameaçado, pode já ser tarde demais para algumas espécies.

“Existem 22 aranhas endémicas nos Açores e muitas dessas existem nas ilhas em que a floresta está bem preservada – na Graciosa, por exemplo, encontram-se duas ou três”, indicou o cientista, explicando que essa destruição é “consequência da colonização humana e da alteração dos habitats que decorreu nos últimos 600 anos, principalmente os primeiros 300 anos de colonização humana”.