“Fui agredido tantas vezes que não consigo contar.” Crianças atletas japonesas agredidas e alvo de abuso
A Human Rights Watch falou com dezenas de atletas que denunciaram a prática repetida de abusos verbais, físicos e sexuais. “O desporto tem sido uma causa de dor, medo e angústia para um número demasiado elevado de crianças japonesas”, critica a ONG.
As crianças atletas no Japão sofrem frequentemente abusos físicos e verbais e, por vezes, abusos sexuais durante o treino, refere um relatório da organização não governamental Human Rights Watch (HRW) que documentou as experiências de mais de 800 atletas em 50 desportos. O relatório, divulgado esta segunda-feira e intitulado Fui agredido tantas vezes que não consigo contar, analisa a história do castigo físico no desporto japonês e inclui relatos contados em primeira mão pelos atletas.
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As crianças atletas no Japão sofrem frequentemente abusos físicos e verbais e, por vezes, abusos sexuais durante o treino, refere um relatório da organização não governamental Human Rights Watch (HRW) que documentou as experiências de mais de 800 atletas em 50 desportos. O relatório, divulgado esta segunda-feira e intitulado Fui agredido tantas vezes que não consigo contar, analisa a história do castigo físico no desporto japonês e inclui relatos contados em primeira mão pelos atletas.
O relatório, de 67 páginas, chega na semana em que teriam começado os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, não fosse a pandemia de covid-19. Os jogos foram adiados por um ano.
“Os abusos específicos que documentámos incluem murros, estalos, pontapés ou golpes com objectos e [casos de] excesso ou de insuficiência de comida e de água”, disse a directora de iniciativas globais da HRW, Minky Worden, numa conferência de imprensa.
“A participação no desporto deve proporcionar às crianças a alegria de brincar e uma oportunidade para o desenvolvimento e crescimento físico e mental. No Japão, porém, a violência e o abuso fazem demasiadas vezes parte da experiência das crianças atletas. Como resultado, o desporto tem sido uma causa de dor, medo e angústia para um número demasiado elevado de crianças japonesas”, denuncia a HRW.
Em 2013, o Comité Olímpico Japonês (JOC na sigla em inglês) prometeu tomar medidas para acabar com a violência entre as suas federações desportivas, após um inquérito interno ter revelado que mais de dez dos seus atletas tinham sido vítimas de bullying ou assédio. O JOC também cortou o financiamento à sua federação de judo durante algum tempo, depois de se ter verificado que os treinadores tinham abusado fisicamente de atletas do sexo feminino.
Para a Human Rights Watch, ainda não foi feito o suficiente desde então. Por isso, exige que organizações como o Conselho Desportivo do Japão e o JOC usem os próximos Jogos Olímpicos como um “catalisador de mudança”. A organização não governamental observa que o abuso de crianças no desporto é um problema global e que os sistemas de denúncia de abusos são “opacos”, não dão respostas e são “inadequados”.
“Embora o abuso de crianças seja proibido no Japão, não existem leis que alarguem explicitamente esta proibição ao mundo do desporto”, refere ainda a HRW. Por isso, a organização “apela ao Japão para que tome medidas decisivas e lidere o combate a esta crise global”, disse Minky Worden.
O que diz o relatório
Fui agredido tantas vezes que não consigo contar foi baseado em entrevistas com mais de 50 atletas actuais e antigos, um inquérito online que obteve 757 respostas e ainda reuniões com oito organizações desportivas japonesas. O relatório apresenta vários testemunhos de crianças que foram alvo de abusos.
“O treinador disse-me que eu não estava a levar a corrida suficientemente a sério. Então, fomos todos chamados e o treinador agrediu-me na cara, à frente de todos. Eu estava a sangrar, mas ele não parou de me bater”, diz um atleta profissional com 23 anos, com o pseudónimo de “Daiki A.”. O atleta fala da sua experiência como jogador de basebol do liceu em Kyushu, uma ilha do Sudoeste do país.
Também é relatada a história de “Chieko T.” (nome fictício), um atleta de topo, com 20 anos, do Japão Oriental. “Quase todos os dias, o instrutor chamava Chieko para a sala de aula depois do treino e pedia-lhe para tirar todas as suas roupas e tocar no seu corpo nu – algo a que chamava ‘tratamento’”. O instrutor repetia os abusos sexuais, afirmando “curar o ombro deslocado de Chieko”.
Dos 381 inquiridos com 24 anos ou menos, 19% referiram ter sofrido agressões, nomeadamente terem sido “esmurrados, esbofeteados, chutados, derrubados no chão ou espancados com um objecto, enquanto praticavam desporto”.
Além disso, 18% disseram ter sofrido abusos verbais e 5% terem sofrido agressões ou assédio sexual, enquanto praticavam desporto, quando eram crianças.
O relatório chama a atenção para um problema que perdura no Japão há vários anos. “Com os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Tóquio adiados até ao Verão de 2021, o Japão tem um ano para tomar medidas decisivas antes do início dos jogos”, exige a HRW.
Texto editado por Pedro Rios