Aves morrem após horas de sofrimento nas redes usadas na protecção das aquaculturas
Corvos marinhos procuram alimento nos tanques de aquacultura e ficam presos nas redes. Passam a chamariz de aves rapinas e estas acabam também por ficar enleadas no emaranhado de nylon.
Imagens “chocantes” de aves presas nas redes colocadas para proteger os tanques de produção de espécies aquícolas foram recolhidas pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) numa recente deslocação às áreas ocupadas pela aquacultura no estuário de rio Mondego. Estas redes são autorizadas pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), a quem a associação acusa de inacção uma vez que os empresários do sector já se mostraram disponíveis para alterar a situação sem que o processo tenha avançado.
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Imagens “chocantes” de aves presas nas redes colocadas para proteger os tanques de produção de espécies aquícolas foram recolhidas pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) numa recente deslocação às áreas ocupadas pela aquacultura no estuário de rio Mondego. Estas redes são autorizadas pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), a quem a associação acusa de inacção uma vez que os empresários do sector já se mostraram disponíveis para alterar a situação sem que o processo tenha avançado.
Ana Almeida, técnica de conservação marinha da SPEA, referiu ao PÚBLICO que a causa da mortandade observada reside, basicamente, na “colocação de redes feitas de fio de nylon transparente e de malha larga, onde exemplares do corvo-marinho-de-faces-brancas (phalacrocorax carbo) acabam por se enrodilhar” quando procuram alimento nas espécies piscícolas criadas em regime de aquacultura. Por sua vez, o corvo-marinho acaba por atrair aves de rapinas, nomeadamente a águia-de-bonelli (Aquila fasciata), que por vezes também ficam presas. Garças e outras aves, incluindo espécies ameaçadas, também são encontradas mortas nas redes que protegem a produção aquícola.
As denúncias de aves mortas após “horas em sofrimento” começaram a chegar junto dos activistas da SPEA há dois anos. “Desde o primeiro momento procurámos sensibilizar as autoridades, nomeadamente o ICNF, para a gravidade do problema”, observa Ana Almeida. As imagens recolhidas por técnicos da SPEA numa visita recente a aquaculturas no estuário do Mondego “ilustram de forma chocante a tragédia que continua a acontecer em vários pontos do país. Algumas das aves ficam com cortes profundos no corpo e nas asas e chegam a morrer afogadas. Outras ficam enrodilhadas na armadilha de nylon e passam horas a tentar soltar-se, acabando por sucumbir à exaustão, fome e desidratação”.
A SPEA diz ter encontrado, “há poucos dias, no estuário do Mondego e em apenas cinco tanques, 17 aves mortas: pernilongo, garças-brancas-pequenas, corvo-marinho, gaivotas...”, reforça Domingos Leitão, dirigente desta associação ambientalista. Mas enquanto isto acontece, “as autoridades nada fazem num processo que se arrasta há meses”, acrescenta Ana Almeida. Problemas análogos ocorrem no estuário do rio Sado e na Ria Formosa, no Algarve.
Em Fevereiro, representantes da SPEA, da associação Milvoz, da Associação Portuguesa de Aquacultores, da Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) e da delegação do ICNF da região Centro reuniram em Coimbra para debater o problema. Foi assumida a vontade de “testar e implementar soluções que permitam salvaguardar as aquaculturas sem dizimar aves”. No entanto, desde essa data, “nada mais aconteceu”,e a sede do ICNF (em Lisboa), que emite as licenças, “não respondeu a nenhum dos múltiplos pedidos de reunião por parte da SPEA”, criticou a técnica desta organização de defesa das aves.
Para poder colocar as redes nos tanques de aquacultura, a empresa que explora a actividade tem de pedir autorização ao ICNF. Ao emitir a licença, o ICNF abre uma excepção à Directiva Aves da União Europeia mas, segundo a lei comunitária, a colocação das redes de nylon só pode ser autorizada em condições muito específicas, ou seja: “o Estado português teria de provar que as aves causam prejuízos substanciais às aquaculturas, teria de monitorizar o impacto da medida nas aves e provar que não existem soluções alternativas. Teria ainda a obrigação de fiscalizar o procedimento para garantir que não sejam afectadas espécies protegidas e assegurar uma avaliação das medidas e da necessidade de as manter”, salienta a SPEA. Acontece que as autoridades portuguesas não entregam relatórios à União Europeia que fundamentam a instalação de redes e do seu impacto nas aves desde 2014.
A SPEA sugere que solução do problema pode passar “por usar redes pretas, para que as aves possam vê-las e desviar-se”. Por outro lado, com o uso de uma malha mais apertada evitar-se-ia que as aves ficassem presas.
Associada a este recurso, poder-se-ia recorrer, ainda, à aplicação de medidas para afugentar as aves, como fitas coloridas ou réplicas de predadores para que a “salvaguarda das aquaculturas não seja uma ameaça às aves selvagens”, acentua a SPEA.
“Os aquacultores estão dispostos a colaborar, existem soluções, mas as aves continuam a morrer”, frisa Domingos Leitão, para concluir que se está perante uma situação “inacreditável e inaceitável”.
O PÚBLICO solicitou esclarecimentos ao ICNF mas ainda aguarda resposta.