Plano de Recuperação Económica 2030 vê floresta como estratégica
A indústria agro-alimentar e a floresta são “essenciais para o futuro”, mas “há que melhorar a governança florestal e reformular a equação do rendimento dos proprietários”, lê-se no documento apresentado ao Governo por António Costa e Silva.
Mais de um quarto de século depois de Michael Porter, docente da Universidade de Harvard e especialista em estratégia empresarial, ter definido a exploração e indústria da madeira e da cortiça (gestão florestal incluída) como um cluster importante para Portugal em 1994, a “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica e Social de Portugal 2020-2030”, apresentada no início de Julho ao Governo por António Costa Silva, volta a olhar para a floresta como estratégica.
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Mais de um quarto de século depois de Michael Porter, docente da Universidade de Harvard e especialista em estratégia empresarial, ter definido a exploração e indústria da madeira e da cortiça (gestão florestal incluída) como um cluster importante para Portugal em 1994, a “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica e Social de Portugal 2020-2030”, apresentada no início de Julho ao Governo por António Costa Silva, volta a olhar para a floresta como estratégica.
“Portugal é coberto, em cerca de 35% do seu território, por floresta”, lê-se na versão preliminar da estratégia de António Costa Silva apresentada ao Governo. “Para além do seu valor económico, ambiental e social, suportando a jusante importantes fileiras económicas, como a indústria da madeira e da cortiça, ou a singularidade de biomateriais para a economia verde, as florestas são prestadoras de bens e serviços à sociedade, de que são exemplo o sequestro de carbono, a criação de paisagem, a regulação do ciclo hidrológico, o combate à desertificação ou a preservação da biodiversidade.”
No documento, que ainda está a receber contributos dos vários ministérios do Governo para que possa ser apresentado publicamente, o gestor é taxativo: “Sendo 98% da floresta nacional privada, a remuneração dos múltiplos bens e serviços prestados pelas florestas não só promoverá a sua protecção, como poderá constituir uma forma complementar de rendimento dos proprietários florestais, permitindo a rentabilização do seu investimento.”
Para o presidente da petrolífera Partex, “é consensual a necessidade de criar uma floresta para o futuro, mais ordenada, biodiversa e resiliente, conjugada com um mosaico agrícola, agroflorestal e silvopastoril, capaz de prestar diversos serviços ambientais e de sustentar as actividades económicas que lhes estão associadas, para além de reduzir significativamente a severidade da área ardida”.
E apesar de dois pacotes legislativos para a floresta aprovados nos últimos três anos em diferentes legislaturas – um, em 2017, pela mão do então ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural Luís Capoulas Santos e outro, em 2020, pelo actual titular da pasta das Florestas que é agora o Ministério do Ambiente – António Costa Silva insiste na gestão da floresta: “Há que melhorar a governança florestal e reformular a equação do rendimento dos proprietários, incorporando neste a remuneração dos serviços dos ecossistemas por via de adequados instrumentos de política florestal”, diz.
António Rios Amorim: “Uma aposta excelente”
O PÚBLICO questionou o CEO da Corticeira Amorim sobre o olhar que o Plano de Recuperação Económica até 2030 lança sobre a floresta em Portugal. E António Rios Amorim é taxativo: “Esta aposta na floresta é excelente por duas razões. Primeiro, porque já temos floresta instalada. Segundo, porque a área florestal em Portugal é cerca de 35% do seu território e, se pensarmos que o sobreiro é vinte e tal por cento dessa área florestal, já é muito significativo. E, depois, temos três fileiras onde nós damos cartas no mundo.”
O CEO da Corticeira enumera uma a uma. Começa pela do eucalipto. “Tem duas empresas ao nível do melhor que existe no mundo. Quer a Navigator, quer a Altri, são empresas de referência mundial no sector: de boas práticas, de sustentabilidade, de eficiência, bem geridas”, realça Rios Amorim.
Fala depois do pinho. “A parte do pinho já não tem uma fileira tão bem articulada, mas tem empresas [como] a Sonae Indústria, que, se não é hoje, já foi a maior empresa mundial de estratificados de madeira, de MDF [aglomerado de fibras de madeira de média densidade]. Chegou a ser a maior empresa do mundo de utilização de pinho. É uma fileira a construir”, diz o CEO.
Resta a cortiça, “puxando a brasa à minha sardinha”. Essa, diz, “também é fileira, porque tem um sistema económico organizado de produtores, que vendem cortiça num mercado completamente livre a 70, 80, 100 compradores que existem, além de intermediários, preparadores, portugueses, estrangeiros, é um mercado livre. É uma fileira líder mundial. É pequenina, só exporta um bilião de euros por ano, mas não deixa de ser uma referência na pequena economia portuguesa que nós temos.”
Em suma, em Portugal “temos floresta instalada, temos empresas de referência mundial em cada uma das três fileiras, portanto, aquilo que a gente tem de fazer é uma melhor gestão de todas elas”, realça Rios Amorim.
Sendo esta “uma área que representa para aí 10% das exportações portuguesas, [a visão para a floresta contida no Plano de Recuperação Económica e Social de Portugal para 2030] é uma aposta mais do que acertada”, diz o CEO. Além disso, “há o ponto de vista da sustentabilidade”. E o sobreiro, garante, “é um modelo no mundo”.
“Reflectir sobre que futuro queremos para a floresta”
O Plano de Recuperação Económica até 2030, da autoria de António Costa e Silva, é “desenhado por referência a um eixo estratégico horizontal, que é o motor da transformação económica”. Este eixo, diz o gestor, “está alinhado” com a Agenda Verde e Digital Europeia, com o Pacto Ecológico Europeu e com os Planos Nacionais de Energia e Clima e o Roteiro Nacional de Neutralidade Carbónica, e visa “promover a descarbonização, a transição energética, a sustentabilidade, a protecção da biodiversidade e a valorização do capital natural”.
Depois, há dez eixos verticais que operam nesta arquitectura conceptual. Cobrem as Infra-Estruturas Físicas e Digitais, o Sistema Nacional de Saúde, o Sector Social, a Reindustrialização (que a União Europeia anda a discutir desde 2013), a Reconversão Industrial, a Transição Energética e a Electrificação da Economia, o Território, a Agricultura e a Floresta, o Novo Paradigma para as Cidades e a Mobilidade, e Cultura, Serviços, Turismo e Comércio.
Daqui resultam os “pilares estratégicos” para o Plano de Recuperação de Portugal até 2030 apresentado por Costa Silva. Que, além de considerar “crucial” uma “aposta forte na completação do plano de infra-estruturas físicas, em particular da rede ferroviária nacional, para reforçar a sua ligação de Portugal com a rede de transportes europeia e o Mecanismo Interligar a Europa”, aponta um caminho: estas infra-estruturas físicas devem “articular-se com o pilar da Coesão do Território, da Agricultura e da Floresta”. Tudo com o objectivo de “promover o desenvolvimento do interior do país e criar uma espécie de hinterland ibérico, articulando a cooperação entre as cidades, povoações, vilas e regiões dos dois lados da fronteira”.
No Plano de Recuperação a mensagem é clara: “Há que aproveitar o presente momento para reflectir sobre que futuro queremos para o território, para o interior do país e para a floresta.” E pensar “que instrumentos são necessários para levar a cabo as medidas de política que assegurem a sustentabilidade dos recursos naturais, a valorização dos territórios, a protecção das populações e economias locais”.
Ciente de que as áreas agrícolas e florestais “ocupam a maior parte do território nacional (cerca de 75%)”, António Costa Silva considera que este é “um activo fulcral para a sustentabilidade do país e a gestão integrada dos setores agrícola e florestal”. E que também é “vital para promover a defesa do ambiente e dos ecossistemas, preservar a biodiversidade, combater a desertificação e as alterações climáticas e mitigar o risco de incêndios”.