Administração Interna investiga morte de animais em Santo Tirso

Em causa a actuação da GNR e da Protecção Civil, que têm sido acusados de impedir o resgate de dezenas de cães e gatos que estavam em abrigos, sob ameaça de um incêndio

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Paulo Pimenta

A Inspecção-Geral da Administração Interna vai abrir um inquérito para apurar eventuais responsabilidades da GNR e da Protecção Civil na morte de dezenas de cães e gatos de dois abrigos ilegais que foram afectados por um incêndio, em Santo Tirso. Durante o combate às chamas, associações e cidadãos que se deslocaram para a freguesia da Agrela dizem ter sido impedidas pela guarda de entrar na propriedade privada onde pelo menos 244 animais estavam guardados, sem o mínimo de condições. Terão morrido 54 (dois gatos, os restantes cães), mas muitas vozes põem em dúvida este número avançado pelo município de Santo Tirso. 

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A Inspecção-Geral da Administração Interna vai abrir um inquérito para apurar eventuais responsabilidades da GNR e da Protecção Civil na morte de dezenas de cães e gatos de dois abrigos ilegais que foram afectados por um incêndio, em Santo Tirso. Durante o combate às chamas, associações e cidadãos que se deslocaram para a freguesia da Agrela dizem ter sido impedidas pela guarda de entrar na propriedade privada onde pelo menos 244 animais estavam guardados, sem o mínimo de condições. Terão morrido 54 (dois gatos, os restantes cães), mas muitas vozes põem em dúvida este número avançado pelo município de Santo Tirso. 

A ordem de investigar o que se terá passado neste fim-de-semana na Agrela partiu, nesta segunda-feira, do ministro da Administração Interna, que não ficou imune à dimensão deste acontecimento macabro que chocou o país e às acusações que pendem sob duas forças sob a sua tutela: a GNR e a Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, cujo comandante no terreno controlava as operações de combate ao fogo. Também acusada de não ter feito tudo o que podia, a Câmara de Santo Tirso considerou, em comunicado, que o comando operacional é que podia dar, ou não, ordem para invadir a propriedade privada. O acesso não foi permitido na noite de sábado e madrugada de domingo mas, na tarde deste dia, já ninguém impediu a entrada dos voluntários. 

A defesa da GNR

Às 13h38 de domingo, a guarda explicava ter impedido o acesso das pessoas e organizações de defesa dos animais ao terreno, na noite anterior, “pelo facto de, àquela hora, já não existir urgência, uma vez que a situação estava já a ser tratada pelas entidades competentes e por se tratar de propriedade privada”. “É importante salientar que as consequências trágicas deste fogo não tiveram qualquer correspondência com o facto de a Guarda ter impedido o acesso ao local por parte dos populares. A essa hora, já tinham sido salvos os animais que foi possível salvar”, reiterava em sua defesa a GNR. 

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PAN, associação ANIMAL e milhares nas redes sociais reclamam por justiça. GNR afasta responsabilidades, mas confirma que proprietários impediram entrada de apoio.

Paulo Pimenta

No entanto, no domingo, mas à noite, a autarquia dizia que o plano de retirada “apenas pôde ser executado durante o dia de hoje [domingo], porque não estavam, de acordo com as autoridades de protecção civil, reunidas as condições de segurança para o realojamento dos animais durante a madrugada de sábado”. Uma versão que não encaixa com as explicações dadas pela GNR nem com a perspectiva de muitas das pessoas que ali se deslocaram. 

Miguel Matos, um dos veterinários que ajudaram a tratar e encaminhar os animais, durante o dia de domingo, explicou ao PÚBLICO que estes foram sujeitos a um sofrimento evitável. “Passou demasiado tempo entre a chegada do incêndio ao local e o resgate”, afirmou, considerando, pelo que ali viu, que poderia ter sido delineado um plano de actuação mais rápido. Sem assacar responsabilidades às instituições presentes no local, este veterinário, administrador de um hospital na Póvoa de Varzim, sentiu muita desorganização no terreno, onde, no domingo, o socorro aos bichos se fazia de forma ad-hoc, graças ao esforço dos voluntários. 

Quantos animais estavam ali?

Salvaram-se 190 “patudos”, segundo o município de Santo Tirso. Entidade que, no seu último comunicado, já não referia o número de cães e gatos mortos nos dois abrigos para animais ilegais. Que, apesar de dezenas de queixas, uma investigação arquivada pelo Ministério Público em 2017 e intervenções, com multas, da Direcção-Geral de Veterinária funcionavam há vários anos naqueles terrenos, com um número indeterminado de animais.

No domingo à tarde, a autarquia adiantava que teriam morrido 52 cães e dois gatos, mas muita gente, incluindo a deputada Bebiana Cunha, do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) não acredita nesta contagem, tendo em conta que, no domingo à noite e mesmo esta segunda-feira, decorreram operações de levantamento e recolha de cadáveres após a extinção do fogo. 

A incerteza quanto ao número total de bichos afectados por este fogo é só uma das muitas questões que estão por responder neste caso que põe a nu a incapacidade de muitos municípios - Santo Tirso não é, de todo, o único - para lidar com o fenómeno do abandono animal. O Bastonário da Ordem dos Veterinários alertou para a existência de inúmeros abrigos clandestinos, como estes, por todo o país, e pediu um levantamento nacional destes casos, para que a tragédia a que assistimos não se repita. Jorge Cid explicou ao PÚBLICO que esta situação vai ser alvo de um inquérito interno, mas defendeu, para já a actuação do veterinário municipal, “que fez aquilo que pôde, com os meios que tem”, acredita.

Caso salta para o Parlamento

Vários partidos querem ver a situação debatida no parlamento, com audição do MAI e do Ministério da Agricultura (que tem a seu cargo a Direcção-Geral de Veterinária). Mas Bebiana Cunha, deputada do PAN que passou boa parte do fim-de-semana no local não deixa de lamentar que, localmente, e desde 2018, a autarquia não tenha posto em prática um plano para resolver, ao ritmo possível, aquela situação concreta, como se comprometera, garante, após reuniões com o seu partido. 

Acusado pelo PAN, e por voluntários no terreno, de negligência, o município recusa que tenha falhado nas suas atribuições, mas mostrou-se disponível para ajudar a esclarecer o que se passou na Agrela. Mas viu entretanto ser marcada para esta segunda-feira, às 21h30, uma vigília diante dos paços do concelho, para “honrar a memória dos animais que perderam a vida e dos que continuam a sofrer por conta desde incêndio”, disse à Lusa Catarina Ferraz, voluntária da causa animal.

O Bloco de Esquerda anunciou que quer explicações dos ministros da Administração Interna e da Agricultura no Parlamento, bem como da DGAV sobre a situação. A bancada parlamentar do PCP dirigiu um conjunto de perguntas ao Ministério da Agricultura. 

Petição pede justiça

 Para lá dos muitos portugueses que foram para a Agrela ajudar, o caso comoveu o país e encarniçou o debate e a mobilização dos defensores dos animais na Internet. Uma petição a pedir justiça para este caso, e que tem o parlamento como destinatário, estava ao fim da tarde desta segunda-feira com quase 149 mil assinaturas. Nela a GNR e a proprietária são acusadas de não terem permitido uma intervenção atempada. 

Pelas redes sociais, as mensagens de ódio e ameaças às pessoas responsáveis pelos abrigos multiplicavam-se mas, vincando que todas as ilegalidades e atropelos aos direitos dos animais que ali tenham sido praticadas devem ser investigadas pelas autoridades, a deputada Bebiana Cunha, do PAN, punha água na fervura e lembrava que, em muitas situações deste género, as pessoas que acumulam animais, às vezes de forma patológica, também precisam de ajuda e que acabam por ser vítimas das suas atitudes, seja pela inoperância dos organismos públicos, seja porque muita gente acaba a abandonar-lhes mais animais à porta destes espaços, criando situações que saem do seu controlo.