Black Lives Matter: A luta de John Lewis continua

O histórico activista dos direitos cívicos traçou um caminho seguido por activistas mais jovens. “Nem toda a gente vê o seu legado concretizar-se de um modo tão significativo”, disse Barack Obama.

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Mural em homenagem a John Lewis em Atlanta ERIK S. LESSER/EPA

Uma das últimas vezes que John Lewis apareceu em público, depois de se saber que tinha cancro do pâncreas, foi quando passou pela rua perto da Casa Branca onde tinha sido pintada a frase “Black Lives Matter”.

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Uma das últimas vezes que John Lewis apareceu em público, depois de se saber que tinha cancro do pâncreas, foi quando passou pela rua perto da Casa Branca onde tinha sido pintada a frase “Black Lives Matter”.

O histórico activista dos direitos cívicos, congressista durante 33 anos e descrito como a “consciência” dos legisladores, via o movimento como um novo capítulo da luta de toda a sua vida, nota o diário britânico The Guardian. Os jovens que se manifestam olhavam o velho activista (morreu com 80 anos) como “um deles”, e foi aí também à rua pintada perto da Casa Branca que muitos voltaram no sábado para prestar homenagem.

O New York Times diz que Lewis foi uma espécie de ligação entre uma geração de activistas mais velhos  dos quais ele era dos últimos sobreviventes — e a nova geração.

O reverendo James Woodall, 26 anos, de Atlanta, é um deles. “Desde cedo que estudo o seu trabalho”, disse Woodall. “Ele não queria apenas esperar por justiça, ele não queria apenas mudanças pequenas num sistema que, de muitas maneiras, o queria ver morto”, disse. A luta de Lewis é a sua luta, concluiu Woodall.

“Temos estado nas ruas e a polícia continua a usar as mesmas tácticas para impedir a nossa luta pela liberdade negra e, no entanto, isso nunca impediu o congressista Lewis. Ele sempre esteve no lado certo da História, uma e outra vez”, disse Patrisse Cullors, co-fundadora do movimento Black Lives Matter.

Lewis era defensor de acção não violenta e desobediência civil (“good trouble”, como dizia), e acabou muitas vezes preso (foi detido 40 vezes entre 1960 e 1966) e agredido. Dois anos depois de, aos 23 anos, ser um dos líderes que organizou a acção que em 1963 ficou mais conhecida pelo discurso em que Martin Luther King disse “I have a dream”, guiou cerca de 600 manifestantes em protesto a atravessar uma ponte em Selma, mesmo sabendo que haveria violência policial. Lewis acabou com uma fractura craniana (mais tarde, diria que nesse dia “viu a morte”). Essa foi uma de várias marchas de Selma até Montgomery em defesa do fim das restrições no direito ao voto. 

As imagens da violência causaram espanto no país (e no mundo), e contribuíram para a aprovação da Lei do Direito ao Voto (que proíbe a discriminação e era considerada a mais eficaz lei de direitos cívicos nos EUA, segundo uma avaliação do Departamento de Justiça em 2009). Há uma campanha em curso para mudar o nome da ponte, do actual general da Confederação Edmund Pettus (e, mais tarde, membro do Ku Klux Klan) para John Lewis, que regressou várias vezes ao local.

"Foi para isto que ele viveu"

Na Black Lives Matter Plaza, como são chamados os dois quarteirões com a frase pintada a amarelo no asfalto, entre os anónimos a prestar homenagem ao congressista morto estava Tony Mathis, 65 anos, ouvido pelo Washington Post. “Por causa de John Lewis, posso votar sem problemas”, disse. “Não podemos parar de lutar por causa de pessoas como ele, que começaram a luta”, declarou.

A sua mulher, Mary Mathis, de 62 anos, diz que ficou arrepiada quando viu que Lewis tinha estado no local. “Foi para isto que ele viveu, sem dúvida.”

O ex-Presidente Barack Obama, que atribuiu ao congressista a medalha presidencial da liberdade em 2010, também disse que sem “os sacrifícios que Lewis fez” ele não teria sido Presidente. “É um dos meus heróis”, disse Obama.

Num artigo no Medium, Obama reflectiu sobre a vida de Lewis e a sua influência na situação actual.

“A última vez que o John e eu partilhamos um fórum público foi num encontro virtual com jovens activistas que estavam a liderar as manifestações deste Verão na sequência da morte de George Floyd”, escreveu Obama. “Depois disso, falei com ele em privado, e ele não podia estar mais orgulhoso dos seus esforços  uma nova geração a defender justiça e igualdade, uma nova geração a concorrer a cargos políticos.”

Obama conta que disse então a Lewis que todos eles tinham aprendido com o seu exemplo, “mesmo que não soubessem”. E acaba o texto com uma consolação: “Nem todos chegam a ver o seu legado resultar de um modo tão significativo. John Lewis conseguiu.”