Fraude com ozonoterapia: ADSE pagou 500 mil euros por tratamento enganador para a covid-19
PJ deteve três médicos e dois enfermeiros na Operação Terapia e desmantelou “esquema fraudulento” de prestação de tratamentos não comparticipados por subsistemas de saúde.
A Polícia Judiciária (PJ) deteve esta quinta-feira cinco profissionais de clínicas de Lisboa e Funchal, que terão enganado clientes com supostos tratamentos de ozonoterapia para a covid-19 e lesado a ADSE em pelo menos 500 mil euros, disse o coordenador de investigação, Afonso Sales.
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A Polícia Judiciária (PJ) deteve esta quinta-feira cinco profissionais de clínicas de Lisboa e Funchal, que terão enganado clientes com supostos tratamentos de ozonoterapia para a covid-19 e lesado a ADSE em pelo menos 500 mil euros, disse o coordenador de investigação, Afonso Sales.
Os detidos são suspeitos dos crimes de corrupção activa e passiva, burla qualificada, falsificação de documento e propagação de doença. A Operação Terapia, que envolveu buscas e apreensões em clínicas médicas (todas do mesmo grupo, não revelado pela PJ), casas e sedes de empresas, foi realizada por 50 agentes da Judiciária, com a colaboração da Ordem dos Médicos e o Ministério da Saúde.
Em causa “está um esquema fraudulento de prestação de tratamentos não comparticipados por qualquer subsistema de saúde”, explicou a PJ em comunicado. “Porém, pelo facto de serem facturados actos diferentes daqueles que são realizados, os subsistemas procedem aos pedidos de reembolsos apresentados pelos seus beneficiários.”
Ainda não se conhecem os valores totais da burla, que envolve não só a ADSE, mas também a Assistência na Doença aos Militares (ADM) e ainda alguns seguros. Só a ADSE terá sido lesada em pelo menos 500 mil euros, revelou ao PÚBLICO Afonso Sales.
Os actos em investigação relacionam-se com a realização de ozonoterapias (uso do ozono para supostos fins medicinais), que, lembra a PJ, “não são comparticipadas pelos subsistemas de saúde”, incluindo a ADSE. “As mesmas são realizadas por profissionais que não estão devidamente habilitados”, acrescenta a nota da polícia.
“Existem indícios que os suspeitos recorrem ainda a práticas pouco esclarecedoras, convencendo os utentes de que a ozonoterapia se mostra eficaz no tratamento da covid-19 ou de que permite ganhar imunidade, explorando a fragilidade e vulnerabilidade de pessoas receosas do vírus ou mesmo infectadas, sabendo os suspeitos que com a prática destes actos podem contribuir para a propagação de doença contagiosa, criando deste modo perigo para a vida ou perigo grave para a integridade física das vítimas e de terceiros”, refere a nota da PJ.
Nas clínicas alvo de buscas pela PJ realizam-se ainda análises clínicas, designadamente para detecção de infecção por SARS-CoV-2, sem para tal estarem licenciadas ou reunirem as condições necessárias, designadamente de direcção clínica.
O que é a ozonoterapia?
Consiste num tratamento feito com recurso ao ozono, gás normalmente utilizado para a desinfecção de água (substituindo o cloro) ou superfícies. É tóxico quando inalado e surge normalmente associado à asma, bronquite e ataque cardíaco.
Apesar disso, há quem afirme que tem benefícios para a saúde quando introduzido no corpo recorrendo a outros métodos que não o da inalação – algo que ainda não é sustentado por bases científicas sólidas. De acordo com os sites de algumas clínicas portuguesas que oferecem este serviço, quando administrado de forma endovenosa, intramuscular, vaginal ou rectal, pode ser usado para tratar várias doenças, da artrite reumatóide à depressão, das cefaleias à acne, passando pelo cancro e pelo Alzheimer – e, claro, a covid-19. Só que tal não está provado: de acordo com provas científicas citadas pelo site Scimed, o ozono só foi bem sucedido no tratamento da dor lombar associada à hérnia discal.
Os detidos, com idades compreendidas entre os 32 e os 62 anos, vão ser presentes às autoridades judiciárias competentes para primeiro interrogatório judicial e aplicação de medidas de coacção. As diligências foram acompanhadas por um procurador da República do DCIAP e um juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal. O inquérito corre termos no DCIAP.