Fundo para a Transição Justa: a habitação como pedra angular da transição energética
Sem as intervenções que o Fundo para a Transição Justa tem o potencial de viabilizar, muitas das pessoas que nas regiões elegíveis habitam em casas impróprias e afetadas pela pobreza energética podem vir a ficar para trás.
A proposta da Comissão Europeia para um novo instrumento de recuperação, que apelidou de “Next Generation EU”, encerra um arrojado desígnio para resgatar a Europa da crise da covid-19 e, em simultâneo, impulsionar as transições digital e energética em curso.
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A proposta da Comissão Europeia para um novo instrumento de recuperação, que apelidou de “Next Generation EU”, encerra um arrojado desígnio para resgatar a Europa da crise da covid-19 e, em simultâneo, impulsionar as transições digital e energética em curso.
Para que tal ambição se cumpra, a habitação tem de ser uma pedra angular da recuperação. Para isso, o Fundo para a Transição Justa e a prometida “vaga de renovação” do parque habitacional europeu devem ser adaptados, para melhor responderem às más condições de vida e à pobreza energética, através de medidas que possam combinar os objetivos de mitigação das alterações climáticas e das suas repercussões sociais.
O reforço do Fundo para a Transição Justa, através de 32,5 mil milhões de euros canalizados do plano de recuperação, juntamente com 10 mil milhões adicionais do orçamento plurianual 2021-27 e outros 10 mil milhões de euros sob a forma de empréstimos do Banco Europeu de Investimento, visa disponibilizar, pelo menos, 150 mil milhões de euros para investir na transição justa. Esta proposta de incremento orçamental constitui uma necessidade e uma oportunidade.
Os investimentos públicos na recuperação têm de ir além da abstração dos “territórios”; têm de restaurar o tecido social e chegar às reais condições de vida das pessoas. A emergência climática faz com que a habitação seja um elemento central dessa transição, já que os edifícios e o parque habitacional são responsáveis por cerca de 35% do total das emissões de CO2 na União Europeia (UE).
Para que a “recuperação verde” não deixe mesmo ninguém para trás, será preciso reconhecer, explicitamente, os riscos sociais implicados na transição para uma economia verde, desde logo no contexto da habitação. Os agregados familiares de baixos rendimentos, as pessoas que habitam casas inadequadas e aquelas que vivem em situação de pobreza energética encontram-se particularmente vulneráveis aos efeitos negativos da transição. Com efeito, são estes os mais expostos ao aumento das rendas e dos preços da energia sem que, muitas vezes, possam socorrer-se dos apoios já existentes. São também esses que, muito provavelmente, estão em risco de perder o trabalho na área da extração ou processamento de combustíveis fósseis. O Fundo para a Transição Justa deve apoiá-los financeiramente com o objetivo de melhorar as suas condições de vida, o que não poderá deixar de passar pela reabilitação das habitações com o propósito de as tornar energeticamente eficientes e sustentáveis. Isto deve ser aplicado, quer no domínio da habitação social, quer no caso de habitações privadas de proprietários com baixos rendimentos. Dessa forma, a UE também contribuirá para a criação de oportunidades de emprego à escala local.
A estratégia de recuperação propõe que os investimentos em causa sejam enquadrados pelo Semestre Europeu. É sabido que, no âmbito deste mecanismo, metade dos Estados-membros foram destinatários de recomendações que sinalizavam a escassez de habitação acessível. Torna-se evidente a importância de mobilizar investimento público, a começar pelo investimento na reabilitação das habitações inadequadas, como base para a melhoria das condições de vida dos 50 milhões de europeus em situação de pobreza energética.
O risco de se ser deixado para trás no quadro da transição climática não se resume ao risco de perder o trabalho. Também significa não ter acesso aos benefícios sociais e económicos e às vantagens para a saúde associadas a energias mais limpas, em casas adequadas e eficientes do ponto de vista energético. Sem as intervenções que o Fundo para a Transição Justa tem o potencial de viabilizar, muitas das pessoas que nas regiões elegíveis habitam em casas impróprias e afetadas pela pobreza energética podem vir a ficar para trás. A transição justa, quer enquanto conceito, quer enquanto instrumento de financiamento, deve abraçar esta visão mais lata e inclusiva de uma justiça climática.
É inegável que serão necessários investimentos de larga escala para relançar as economias europeias. Asseguremo-nos de que esta dívida, que vai pesar sobre as gerações vindouras, vale o esforço e é gerida sabiamente. Não nos parece que haja investimento mais virtuoso do que aquele que simultaneamente é capaz de proteger os mais desprotegidos e contribuir para atenuar os efeitos das alterações climáticas através da redução do consumo energético.
Manuel Pizarro e Mounir Satouri, eurodeputados, respetivamente relator-sombra (S&D) e relator (Verdes) para o Fundo para a Transição Justa na Comissão de Emprego e Assuntos Sociais
Freek Spinnewijn, diretor da FEANTSA - Federação Europeia de Organizações Nacionais de Apoio aos Sem-abrigo
Rick Hathaway, vice-presidente da Habitat for Humanity International para a Europa, Médio Oriente e África
Manuel Domergue, diretor-geral de Estudos da Fundação Abbé Pierre
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico